ANA
HATHERLY
TISANA 353
Era uma vez uma cidade
onde as palavras eram ocas: fossem de papel, seda, veludo,
aço, ou o que fosse. Flutuavam sempre no espaço
da virtualidade. Nelas a nostalgia do verbo criava puzzles
mergulhantes.
TISANA 354
Era uma vez uma ilha onde
as doutrinas enlanguesciam antes de cair no devaneio da excelência.
Obcecados pela paixão da alegoria passavam o tempo
construindo intermináveis epitáfios de si mesmos.
TISANA 356
O estatuto da realidade:
descobrir esse doce exercício destrona a ascética
parsimónia do pensar racional. Mais do que de um mero
crepúsculo, flexível ou determinado, o pensamento
precisa de ilusão e assim a obra de arte abre-se em
leque sobre o inventário do mundo.
*
Ana Hatherly,
poeta, ensaísta e tradutora portuguesa, nasceu no Porto,
mas vive e trabalha em Lisboa. Professora universitária,
figura fundamental do Experimentalismo Português dos
anos 60, tem uma extensa bibliografia poética e ensaística,
traduzida em mais de uma dezena de línguas. Paralelamente
tem uma carreira como artista plástica. Suas obras
constam dos principais museus nacionais de Arte Moderna.
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