ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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ANDES ADRIANO CHIVANGUE

 

 

 

 

Mas tu não compreendes isto de atear fogo à memória,

que se reate a avidez das mãos na prenhe argila do poema.

Entretanto, se deixares um canteiro de lírios

crescer nas encostas do teu coração

e os embaciarem-se na seiva nocturna

poderás, enfim, enxergar a fotografia,

a criança raquítica que te abandonou no desespero. 

 

 

 

* * *

 

 

Fujamos destas linhas,

avancemos para uma terra mais sóbria e luminosa

onde o céu seja prenhe de vagalumes

e uma praia cheia de cardumes alimente enciclopédias,

sentidos renovados e semoventes

cuja substância absorverei esperançoso

de no fim sussurrar, pela sombra do desejo,

ao pé de ti, a magia do mundo,

entregando-te a arca com a sabedoria de Deus,

a arca que com as pedras e a sua música infinita

polvilha o meu rosto de terra,

até a lebre em ti se confundir comigo

e os dois poderemos finalmente atravessar a eternidade

nessa vastidão de rosas e água

que adoça os corações na polpa da maçã.  

 

 

 

 * * *

 

 

Costumavas dizer que o teu mijo tinha força suficiente

para fazer crescer uma mandioqueira

à altura do farol que orienta os navios.

 

Afiançavas que, às vezes, a tua dor brilhava

incendiando as paredes da casa

como se fogos de artificio animassem o tigre da tua loucura.

 

Agora percebo porque à meia-noite

gritavas até que a cidade inteira acordasse. 

 

Sei porque de repente

desatavas a esmurrar o chão.

 

Gritavas o nome dela.

 

 

 

* * *

 

 

Rata

        devora

                         poema

                                      pelas bordas das palavras.

 

No resto de papel carcomido

                                                    fica um charco de baba

            onde os mortos revisitam    

                                                                  o cuspo

                                                   que

enfeita a maçã última

                                                   do poeta  esfaimado.

 

 

 

* * *

 

 

Nas tristes manhãs que emudeciam as aves

o eco agarrava -se ás paredes da casa

e as estrelas, descidas a medo

pelo aprumado retorno

à polidez dos teus olhos, repontavam.

 

Rangia o mar entre nós, lembras -te?

A pesar de na cegueira dos teus passos

eu decorar alba a alba uma gramática

e de nos ínfimos instantes de certeza

o teu sorriso erguer a vertigem dos pássaros.

 

Onde guardaste a casa?

Cúmplice de tantas orações de eternidade! Onde?  

 

 

*

 

Andes Adriano Chivangue nasceu em 1979 em Xai-Xai. De 1998 a 2002 foi editor da revista literária Xitende. Dentre vários, ganhou o premio revelação Rui de Noronha, na categoria de conto em 2001. Estudou relações internacionais e diplomacia. Tem dois livros publicados: A FEBRE DOS DEUSES (contos, 2005) e ALMA TRANCADA NOS DENTES (poesia, 2007, premio ex-equo José Craverinha).

*

 

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