Mas tu não compreendes isto de atear fogo à memória,
que se reate a avidez das mãos na prenhe argila do poema.
Entretanto, se deixares um canteiro de lírios
crescer nas encostas do teu coração
e os embaciarem-se na seiva nocturna
poderás, enfim, enxergar a fotografia,
a criança raquítica que te abandonou no desespero.
* * *
Fujamos destas linhas,
avancemos para uma terra mais sóbria e luminosa
onde o céu seja prenhe de vagalumes
e uma praia cheia de cardumes alimente enciclopédias,
sentidos renovados e semoventes
cuja substância absorverei esperançoso
de no fim sussurrar, pela sombra do desejo,
ao pé de ti, a magia do mundo,
entregando-te a arca com a sabedoria de Deus,
a arca que com as pedras e a sua música infinita
polvilha o meu rosto de terra,
até a lebre em ti se confundir comigo
e os dois poderemos finalmente atravessar a eternidade
nessa vastidão de rosas e água
que adoça os corações na polpa da maçã.
* * *
Costumavas dizer que o teu mijo tinha força suficiente
para fazer crescer uma mandioqueira
à altura do farol que orienta os navios.
Afiançavas que, às vezes, a tua dor brilhava
incendiando as paredes da casa
como se fogos de artificio animassem o tigre da tua loucura.
Agora percebo porque à meia-noite
gritavas até que a cidade inteira acordasse.
Sei porque de repente
desatavas a esmurrar o chão.
Gritavas o nome dela.
* * *
Rata
devora
poema
pelas bordas das palavras.
No resto de papel carcomido
fica um charco de baba
onde os mortos revisitam
o cuspo
que
enfeita a maçã última
do poeta esfaimado.
* * *
Nas tristes manhãs que emudeciam as aves
o eco agarrava -se ás paredes da casa
e as estrelas, descidas a medo
pelo aprumado retorno
à polidez dos teus olhos, repontavam.
Rangia o mar entre nós, lembras -te?
A pesar de na cegueira dos teus passos
eu decorar alba a alba uma gramática
e de nos ínfimos instantes de certeza
o teu sorriso erguer a vertigem dos pássaros.
Onde guardaste a casa?
Cúmplice de tantas orações de eternidade! Onde? |