I -
GLOSSÁRIO
púrpura
a cor da moda e da gangrena, licor de um seio que se recolhe
rumo a constelações vermelho sangue do bife,
cor do jorro ou de um golpe embaralhando a visão azul
assim pareceria o céu, vitrine para o mar, se não
houvesse cinza rosa papel de parede do purgatório,
degrau do meio na escada da diluição verde não
há registro preciso pra isso branco laranja, vermelho,
magenta, azul, mostarda (posso aqui dar a receita de um arco-íris
particular?)
II
- CORRESPONDÊNCIAS APLICADAS
seria
azul o amor sobrenatural que se arrasta por túneis
e subterrâneos?
seria
vermelho o sentimento que salta sobre valas e desrespeita
o sono dos mortos?
ou branca
a paixão soterrada por olhos-lápide?
ÉBANO
componho
como uma cega como
alguém que sobreviveu
ao bombardeio da casa - estranhas
as crianças em piques gangorras
amarelinhas terríveis
no seu autocontrole
os homens andando
em trajes completos
sob o sol
se rezas
não fossem palavras, mas
cores, pintaria algumas para aqueles
que têm as pálpebras estampadas de chão
AZUL-MARINHO
o som
das algas
ondulando a respiração
silenciosa dos peixes - ela deslizava
no sono mais velho que relógios rumo
às cordilheiras marinhas para encontrar
tímpanos ecos de cantigas pálpebras fotografias
de entranhas
VERMELHO
vitrificados
como meus olhos brilhantes, apesar de mortos. pura refrescância:
a água sólida sussurra: está encerrada
a fluidez da vida. guelras exaustas, nadadeiras exangues travaram
no mar o penúltimo combate. depois no convés,
luta envergonhada. e o desespero em forma de falta de ar,
e raios de sol e secura. no purgatório da rede, a minha
obstinação flutuante ainda ligada aguardava
o alívio neste leito de gelo.
AMARELO-OURO
medo de
acordar atado à toca
dos leões e de depois de horas perceber
ter percorrido quilômetros em círculos
sobre
a laje as mãos
vazias de talismãs descascam as sílabas
de um mantra
in-
ti-
mo-
ra-
to
CARMIM
era para
ver um relâmpago
que abri a página era
para fazer fogo que
escrevi amor
* * *
marujo velho que se deixa levar por amor
à embarcação rodopiante em naufrágio
em cada porto uno liebe t´attendra?)
a sereia, muda testemunha, lança
sobre a última ponta do casco
a sucumbir uma rosa
verde e triste
* * *
pontos azuis em meio a tons vários de laranja foram
preenchendo a tela, ainda que a máquina não
estivesse ligada. meus dedos foram ficando trêmulos
(todos os vícios são inférteis?) e eles
martelavam, sim, ao modo como fazemos no teclado. era preciso
logo encontrar a tela branca, deixar semi-fechados os olhos
e manter um pouco longe - só ao alcance das mãos
- os pensamentos.
ainda informes as linhas, mas as palavras já velhas
buscavam seu lugar na fila. acomodá-las de novo é
provocar tormentas ou isso exige o cuidado de um oriental
a disciplinar flores? calo as perguntas por olhos que não
suportam mais o exílio, pela razão que quer
sair do deserto. sensores treinados para captar o desconhecido
paralisam minha mão. entre toda a noção
de incompletude, estão órfãs as palavras
que deixei entre parênteses.
* * *
o nosso gosto sem
o torpor dos álcoois
ou a maciez da
meia-luz
quero
corpos nus
à luz do dia
sobre a grama
verde
não há rendas de
sombras quero ver
o que resta dos
dias vividos
às claras, a seco.
* * *
penumbra o sol
quebra vidraças
sem pedir
licença
pequenos
cacos de luz
cegam (o cego
pode ver tudo
branco -
- essa
visão
imaculada do paraíso
parece ser a que mais dói)