ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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ANGELA CASTELO BRANCO

 

 

 

 

os iluminados ao entrarem no clarão do azul dirão aos peixes: eis a presença a nos

 

servir. E pregarão as cifras da experiência de um livro fechado. Mas, se quase o corpo,

 

escutar a cabra, ou o inteiro a berrar,

 

é o verbo, a volver o medo. Pois não há olho sem lei.

 

E um feixe de alguém se anuncia, na entranha polida

 

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Aberta

 

De começar

 

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Como um corpo salgado de tanto escavar a luz

 

sinto que transitas

 

passas apressado, a folha cai

 

uma voz cristaliza-se na janela

 

Por aqui as abelhas vivem para tocar trombetas

 

abrem os ouvidos em soluços e solstícios

 

na procissão de flores suicidas ao mar

 

encontro o lugar da montanha onde a neve pára

 

neste aconteço de perder e achar

 

é bem mais perto meu lugar de risco

 

pode-se

 

raspar com os dentes o verniz sob a mesa, comer os pedaços da tinta, cavar a madeira

 

com cuidado para não entrar fiapos debaixo da unha, lamber o produto que lustra a

 

superfície

 

porém,

 

o olhar dos animais debaixo da mesa

 

jamais será servido ao jantar.

 

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Tenho ouvido de mestres, padres e especialistas que só é possível o humano ser mais

 

humano na história inventada.

 

Mas hoje eu não quero crer neste intento. Marquei um encontro com a aparição. Visito

 

o tempo de braços dados com a garganta e seu rasgo. Os dentes nascem debaixo dos

 

pés, a cultura lava as panelas e os vestidos sobem para alcançar os livros da estante. As

 

ferramentas enferrujadas marcam o tecido fino

 

E, com a secreção do olhar, pode-se prender o fio da memória na carroça da frente.

 

Neste lugar,

 

sou transcritora.

 

 

*

 

Angela Castelo Branco, escritora e educadora, autora dos livros independentes Orações, Oferenda e O que digo, o que me diz. Desenvolveu a Bolsa de Criação Literária Funarte em 2011. Foi contemplada pelo Proac 2011 de Publicação de Livros pela Secretaria Estadual de Cultura. Escreve regularmente no blog: www.angelacastelobranco.blogspot.com. Sua criação também transita por bordados, costuras e junção de tecidos improváveis.

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