ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

ANTONIO MIRANDA
 

 
 

FOTOMONTAGENS

A taça Jules Rimet, roubada, depositada no altar da Basílica de Aparecida.
O corpo nu de Gisele Bünchen plantada na Ceia de Cristo do Michelangelo
como pão em oferenda.
O God Save the Queen colado na bandeira talibã.

Carne de porco devorada pelas tropas israelenses na fronteira
e o festim dos urubus no banquete das Nações Unidas.

Contemplo a explosão da Casa Branca no filme recente do 007
e o entrelaçamento dos mistérios do Alcorão, da Bíblia e dos Vedas
desvendados por um código ou teorema ou simulador de vôos
- ORIGEM COMUM DA HUMANIDADE, documentário veloz,
DNA primevo arrancado do Paraíso Terrenal.

Enxergo tudo e não vejo nada!!!

Estou aturdido, como num caleidoscópio, num videoclip,
compondo paisagens instantâneas, descartáveis,
renováveis, que se vão recompondo, em colagens,
alternando posições e sentidos.

Fragmentos de mim, de ti, de todos
assim expostos, estertores, recompostos numa holografia de surrealidades,
hagiografia dos horrores.

Navegações planetárias, siderais, ciberespaciais enquanto
migro dos dedos de câimbra para os comandos cerebrais.

Tudo que é sólido se desfaz, ensina Marx em sua visão totalitária
e fugaz.

Mas a paz: nunca mais!!!

Realidades instantâneas, simultâneas, em sua contemporaneidade:
O FUTURO JÁ ERA
na era da informação
- passado e futuro no presente
passa
diço
e mutante
- volátil
idade.

VOZES FUTURAS VÊEM DO PASSADO.

Nos arquivos estão os vivos e os mortos em macabra coetaneidade.

Em tal virtualidade, entro na igreja de São Francisco em Ouro Preto,
percorro absorto as galerias do Louvre,
durmo nas alcovas de El Escorial,
saio pela arcadas triunfais do Partenon
e desço as ladeiras infernais da Favela da Rocinha
à realidade mais banal e cruel.

   

IDENTIDADE REVERSA


I

No Cuzco
a igreja está construída
sobre as ruínas
do templo dos incas:
tempo sobreposto.

Os lajedos superpostos
na perfeição suprema
da arquitetura nativa
resistindo aos sismos
e cataclismos.

As paredes
do templo colonial
envelhecem
em fissuras
e sustos.

Um templo dentro de outro templo,
uma cultura enxertada em outra cultura,
confrontando-se. Jamais se reconciliam.



II

Indígena/
indigna:
indignação

mas todos se persignam
em séculos de colonização!

Reverenciando
todos os santos
do calendário.

Na genuflexão
a alma cativa,
a sujeição.

Até quando?!


III

Que identidade é esta, de joelhos?

Que defesa de tradição é esta?

Penitentes jejuando,
flagelando-se
pelo cristianismo
que os converteu
e subjugou.


Cuzco, Peru, 12.09.2006


*

Antônio Miranda é poeta, romancista e ensaísta com mais de trinta livros publicados. Sua obra mais conhecida é Tu país está feliz, um texto poético musicalizado e montado pelo Grupo Rajatabla, da Venezuela, nos anos 1971, 1984 e 2006, ganhador de vários prêmios internacionais. Seus livros de poesia mais recentes são Eu Konstantinos Kaváfis de Alexandria (2007), Despertar das Águas (2006) e Retratos e Poesia Reunida (2005). Doutor em Ciência da Informação e professor titular da Universidade de Brasília, ocupa hoje o cargo de diretor da Biblioteca Nacional de Brasília. E-mail: antmiranda@hotmail.com.

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[REVISTA ZUNÁI- ANO III - Edição XII - MAIO 2007 ]