ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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ARIANE ALVES DOS SANTOS

 

 

 

 

SEM TÍTULO

 

Interrogo a farpa

cravada  na memória

ao cristal que aponta

para os destroços

 

Um eco se perde num olhar desesperado 

 

O moinho se despedaça no mar das horas

Perco minha idade nas estacas do vento

 

Vi um contorno curvado

Afogando as têmporas na saliva

Arranhando a angústia nas paredes

 

As cortinas do tempo cortaram o rosto

 

Os mortos bebem o leite vertido

                                            no ventre

 

A água do sonho se perde numa caverna de promessas

 

E a alma se esconde no mármore.             

 

 

 

SEM TÍTULO

 

 

No dia em que a vida incendiou a couraça

engolia o horizonte assassinado.

 

As mãos modulam o sol

E teus olhos são sangue e silêncio.

 

Você soube reconhecer o fim

O princípio do ruir dos ossos

As árvores trinando tristezas

 

Ouve

Plumas fluem nas artérias

Lançando teus braços ao mar

 

 

Tudo canta e renasce de um coral

em teu sorriso que despedaça

o tempo

no marfim

 

 

 

SEM TÍTULO

 

O pulso torna-se metal

 

Sinto

as horas  pesadas como teu braço

dependurado na cama

Teus olhos desfeitos em ar

 

Uma locomotiva febril percorre minha espinha

Mastigo os anéis do dia

E uma ferida floresce entre os dedos.

 

Sou um naufrago enclausurado num seixo

roçando a palidez contra os joelhos

Incendiando as artérias do universo

 

Arando as cinzas de uma ave esfacelada.

 

                                          

 

SEM TÍTULO

 

Nenhum sobressalto

O espelho ataca as rugas.

 

Tudo dorme entre teu peito e

as portas trancadas

 

Tua respiração

torna volátil toda porção de terra

E constrói o sonho em que um louco

                     avista a dança de lábios em fúria.

 

Transfigurado

Nenhuma carne reveste teu arrebatamento.

Carregas o filho nu,

os séculos

e os vermes que

                          encerram tudo voz.

 

                                  

 

SEM TÍTULO

 

Meu único desejo:

Adormecer nesse retrato

 

Não ser mais as cinzas

que encerram

a ressonância dos pulmões

                                  

Seus braços convulsos estendidos sobre a mesa

contém o incêndio de cada minuto

As facas se voltam contra o sol

Anulando os meandros da face

 

O corpo 

se tornará  abrigo dos cinco elementos

Os vestidos

se diluirão nas nuvens

A chuva

será tua transpiração

 

O peito se retorce em tua única afirmação:

Falar

é entregar as armas ao assassino

 

Sem saber que o silêncio parte minhas vértebras

                                                              ao meio.

 

 

 

SEM TÍTULO

 

Arrastando teus braços

Sinto o vento esfolar a face.

 

O arco pálido da tarde

Lançou-me em seu plexo rasgado de pérolas

 

Sua retina filtra a treva de meus despertar

Enquanto encerro nos ossos

A centelha dos dias.

 

E o louco prossegue

Riscando arabescos no barro.

 

 

 

PRISÃO DO AR

 

As sílabas se dissolvem na saliva

Transpassa a agulha

Cravada na gengiva.

 

Flutua a fratura do silêncio.

 

Sou esse sopro

Naufrágio de pássaros

Canto que transmigra em tremores

 

Um marujo no útero da terra.

 

 

MIRANTE DOS SONHOS

 

Olhos alados na curva do tempo

Absorto na fechadura das parábolas

Arrasto o pedúnculo da memória.

 

Pelos declives de ipês pranteados

Dedos de lâminas trançadas

Acariciam a aurora

Nasce o susto.

 

Expira

Fragmentos de mica

Constroem o céu

Inspira

O halo ambarado pousa na pele

 

Descanso com os pés imersos à vida.


DISSOLUÇÃO

 

As paredes debulham

Um pranto espesso

 

Um sono de arsênico

Apaga as sombras

E o corpo é uma residência

Bombardeada - projétil apontado para

O deserto.

 

Tudo se faz ilha

Beira-mar de chumbo

 

Olhos raptam um manto cinza

As pupilas resistem

E cristalizam uma faísca

Indomável de vida

 

Os faróis dançam na tormenta

O crânio solda o peso do dia - coral flutuando

Nas mãos do martelo

 

Teu abraço tudo dissolve.

 

 

SEM TÍTULO

 

I

 

Ele é um homem

que arrasta os dedos

nos bolsos

Guarda violinos

nas costas

Perfura subterrâneos

de desordem

Descansa em casas

vazias

Constrói vitrais

no mar

Oferece minuetos

aos pés

Percorre a via férrea

da velhice

E jura a vida

diante da rocha.

 

II 

 

Circularmente

as lâminas resvalam o maxilar

 

Há dias carcomidos

em que o esqueleto

não suporta o mais leve

sobressalto

Há dias

em que o sol é uma úlcera

cerrando os olhos

E o abismo um feixe

de âmbar e sal

 

É o homem

que apunhala as raízes

dos cadáveres

 

Não há retorno

 

Você

Fratura o percurso ígneo

da noite taciturna de braços em riste.

Recriando

os oceanos dos cabelos dos loucos.

 

 

*

Ariane Alves dos Santos tem 25 anos e mora em São Paulo. Formou-se em Letras e integra o coletivo Poenocine, dedicado à troca de textos, leitura e estudo de poesia. Escreve há dois anos e seus poetas favoritos são Paul Celan, Giuseppe Ungaretti, Arseni Tarkovski, Dylan Thomas, entre outros.

*

 

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