ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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AYLA ANDRADE

 

 

 

 

RESSURREIÇÃO EM DOIS TEMPOS
                                p/ Uirá dos Reis
                                  
Fui eu que deixei o poço secar?
Eu não lembro.
Você não me disse que poços secavam.
Você não me disse que eles secam.
Agora vamos ter de cavar. Cavar o próprio buraco.
Vamos, cavemos.
Até gastaram-se as unhas.
Até que as sujemos com areia, lama e suor.
Vamos, cavemos.
Quanto mais cavarmos mais profundo seremos.
Por que você não disse que poços secavam.
Agora cavemos, amigo.

 

EXERCÍCIO I

 

Uma noite muda como essa.
Azul burburinho.
Uma lua que não sabíamos.

Uma noite dessas em que se atravessa.
somente.
A despeito de quem a caminha
Ela vai, escurecendo por dentro e por fora.
Amarelo-andino.

 

EU JÁ

 

Eu já apaguei a luz

Eu já bati a porta

Declarei também os impostos

Já fiz as malas

Pintei um quadro

Fiz sexo na pia

Surrei meu vizinho eu já

Eu já fui mulher suficiente para ser seu homem

 

CAIS

 

Reúna comentários leves
emblemas felizes, sorrisos com dentes:
hoje é dia de festa
e os senhores querem paz

Reúna comentários leves
roupas graúdas, dias de glória:
hoje é dia de festa
e as madamas querem mais

Reúna comentários leves
desenhos de cores, perfume de largo:
hoje é dia de festa
e as crianças sonham demais

Reúna comentários leves
mãos afáveis, copos de vidro:
hoje é dia de festa
e os moços querem com gás

Reúna comentários leves
bocas falantes, assunto nem tanto:
hoje é dia de festa
e as moças querem por trás

Reúna comentários leves
que o todo está completo:
gente, ontem, domingo
ninguém pretende se jogar do cais

 

 

*

 

Ayla Andrade escreve o blog uma escada para o nada (http://umaescadaparaonada.blogspot.com), é assistente social, tem uma gata chamada Sra. Parker e um girassol onde ela deita a cabeça. Ás vezes tudo ao mesmo tempo. Gosta de ver o rio no encontro do mar, das palavras no papel e no ouvido e dos dias grandes. Tem alguns textos publicados em jornais, revistas e  antologias como MassaNova: antologia de poemas; Encontos e desencontos; Caos Portátil e outros. Apresenta-se em diversos espaços de poesia e prosa na cidade de Fortaleza, além de produzir eventos literários como Literatura de Lua e Zona Poética Literária. Tem alguns diletos amigos, não vive sem música. Tem mau humor mais freqüente do que deveria, mas sabe fazer sorrir quando quer.

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