ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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BIANCA LAFROY

 

 

 

 

 

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Bianca Lafroy es un héroe o una heroína sobrerreal cuya impronta se lee como el negativo de cada poema, en una línea que desciende del argentino paulista Néstor Perlongher, tanto del poeta de “¿Por qué seremos tan hermosas?” como del autor del Negocio del Miché. Prolonga esa línea de exquisita in-definición, en que la impostura de una travesti es el recalco de un andrógino. Ya es hora de que los bordes entre lo masculino y lo femenino se derrumben, y aquí el oído de la poesía está dedicado a la fracción infinitesimal de un rompimiento de fronteras y de un pasaje, como en aquel verso del poeta venezolano Marco Antonio Ettedgui: “se me pasa de hombre a mujer, basta un parpadeo”. Y este parpadeo es el momento poético de Bianca, estupendo pero no requintado. Como una constelación, se van adhiriendo aquí fragmentos de textos imantados por este fenómeno, fragmentos al imán del pasaje a dos tiempos, a dos focos, un delicado equilibrio en que se está sin estar en los platillos del consabido sistema binario del género, más bien rompiendo la opresión y violencia de la matriz del género. En este sentido es un texto profético, una profecía del presente, la medida de una apertura de la sensibilidad, y el descubrimiento de lo que siempre estaba allí. 

Roberto Echavarren

(in: contracapa de Embrulho Líquido)

 

***

Eu sou Hedwig,

o CABEÇA-DE-ROUBADO da ex-alemanha oriental.

Eu sou Nano Florane,

o marinheiro passivo do navio pirata

(desnudo no significado de

frégate

ou como dizem os anglo-saxões

e suas diluições:

frigging).

Eu sou Jean Gejietti,

estudei as ruas e também os mares,

sei dos uniformes dos escravos

que manobravam remos no século XVII,

de sua lona cinza sobre os músculos,

suas correntes se chamavam “ramos”

e os punhos de renda, jabô e meias de seda

do capitão

Notre Homme.

Eu sou François-Timoléon de CHOISY, o abade.

Eu sou Madame Satã, Edwarda?

Ou serei Rrose Sélavy?

 

***

Enquanto você embota

com o tempo

em mim brota e aguça

a sensibilidade e a graça

as coisas perdem o seu lugar.

 

A COLHER PONTUDA

(feito garfo) servia bem à mesa

agora serve melhor

no pote de café

(vidro de azeitonas reciclado).

 

Os olhos verdes que estavam dentro

e não eram de vidro

foram para a pizza.

 

 

***

Hoje os pelos pareciam duros.

Fiz vários COÁGULOS ao retirá-los

da superfície visível.

 

Quem saberá o que ela sentiu

ao perceber que a farda

que vestia da polícia florestal

é igual para homem

e mulher?

 

***

A verdade é

que a pessoa que em mim

sente está mentindo.

 

O carbono

das palavras.

 

(Zaratustra comia beterraba

ou couve-flor roxa.)

 

Hoje rasguei em pequenos pedaços

a SEDA DO ALFACE.

 

Retalhos irregulares.

 

Quais as pessoas que não eu

têm consciência 

que representam não ser o que são?

 

***

Lubrificar orifícios

é uma ARTE.

 

Na formação do michê,

dominar os próprios mucos

é como aprender uma língua antiga.

 

Conversamos sobre isso no MON

ao admirarmos os traços-esperma,

a viscosidade visual,

os mucos de Münch.

 

Na rua, numa exibição,

ele fez seu cuspe espesso

cair em pé.

 

***

O embrulho líquido,

mergulho abissal no elemento móvel

e FEMMINIELLO.

Anfíbio-fêmea tatuado

no couro e

camuflado na escama prateada.

Tatoo azulada, aureolada,

cintilada e trans

formada em peixe-girl.

 

***

Em si mesmo,

em seus órgãos que eu imaginava elementares

mas de tecidos sólidos

e de vislumbres matizados

muito belos,

nas TRIPAS QUENTES E GENEROSAS,

eu acreditava que ele elaborava

sua vontade de impor,

de aplicar,

de torná-las visíveis,

A hipocrisia,

A besteira,

A maldade,

A crueldade,

A servilidade

e de obter na sua pessoa inteira

o mais obsceno êxito.

 

(poemas retirados de Embrulho líquido)

 

 

*

 

Bianca Lafroy (Curitiba, 1985) é poeta e ficcionista. Publicou Embrulho líquido (Iluminuras, 2012).

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