ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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CARLA DIACOV

 

 

 

 

volvió uma noche

 

estranhamente azul

põe-se o sol

onde a lua faz-se insegura, apática, muñequita desnuda.

é o quando do mar e dos marinheiros bebem, mansos, a bailar Gardel.

 

 

 

molhado Bach

 

ser um copo que dorme sobre a mesa

ao lado do morno da tua mão

que não desata

e guarda a chave

que a nossa casa serve.

ser o dia de chuva Bachiana

à espera da plenitude da tua cara branca

reino de tantas histórias e rebeliões

ser o copo, aquele mesmo,

o que não dorme

ao lado da tua mão

que não desata

e guarda a chave que só a nossa casa

 

ainda chove

ouvimos Bach

e na medida em que amo ser ao que haver-te em ser

anoitece e entardece e amanhece, com sorte, chovendo tanto.

 

 

* * *

 

 

tão alto que longo

a mensagem da natureza de uma mosca na sua revolta

lembrando a um cenário

um vestido preto, tão preto que longo

fundido à escuridão da noite confusa

como um gato glacial

focando os bigodes ao toque dum cigarro

no cinzeiro, alto, tão alto que longo

como o gato, os dias que se prestam a um só funeral.

Oh, sim. E esta mosca.

 

a message of the nature of a fly in their revolt remembering a scenario

a black dress, so black that long

cast into darkness of confused night

like a glacial cat

focusing whiskers to a touch of a cigarette

at ashtray, high, so high that long

as the cat, as the days that lend themselves to one funeral.

Oh, yes. And this fly.

 

 

* * *

 

outra era

é um pavio

de sombra incerta

qualquer

além disso

que não tem e tem tamanho

na dimensão do que olha um olhar

e nos faz fé diminuta

irradiando feitos

do quando era grande

do quando nem era fogo diante da fome.

 

 

* * *

 

 

morre um mundo

cumprindo tarefas usuais
dessas de desprendimento da carne
sigo a ocupar meu espaço

nosso espaço

à sombra da pitangueira seca  
ai, a absurda iluminada manhã
e vou

sou a espessura do fruto
a rigidez da casa do molusco

torrões de açúcar

desfazendo-me nas tuas mãos
onde o mundo é uma esmola menor que qualquer.

 

* * *

 

donde a colherinha de café

nós, você,

eu por ti

nós que temos sangue de búfalas

e os outros

companheiros sofredores

regras para serem esmigalhadas

num pequeníssimo erro

esperávamos o cair da noite

o desaba-la

tanto que agora

enfrentar o dia

com a fronte pesada

más notícias acontecendo aos montes

o mundo, amor, é um monte

e o café preparado

teu bêbado perfil

de estranheza, dum isolamento do mundo

na minha boca

tens o queixo mais leve que um mínimo ganso de origami

trazendo música para onde aponta

sempre chegado de um tempo mais confiante

que um mínimo ganso de origami

nós que somos burras

temos sangue de búfalas

e o jornal deve estar a elogiar-te, amor, pois que vejo dentes

porque és viril

não te importunando o mundo

nem do quando estilhaçado e na minha boca.

 

* * *

 

stripers

 

my legs

heaven

a man looking

In either his eyes

my skin will not get severity

I'm serious

this is the time

here comes my man

and with his eyes

all of the sea

crossing over these legs.

 

oito e meio

tenho a idade de passarinha

e desço ao porão que acabará de se fazer

minhas escadas que rangem e não rangem e dizem coisas de robôs amaldiçoados

meus pés já a sumirem

suavemente

entre as ondas do meu rio

posto que a esta idade

seria tão inapropriado ser mar.

 

 

dali pra cá, a passagem

 

meu coração queimando

ao pôr do sol nos teus olhos.

caminhos antigos

desses  tempos  doces
da vida dum pensar
campanários e aves, o pôr do sol
meu coração farto da vida adulta
não se cabendo a mim

sabia ir e voltar

ao fundo dos teus olhos perdidos

ao templo onde põe-se o sol

onde coloco-me aos teus sóis.

 

 

meninos

 

no arcabouço vive

em carne, cinzel

seus extensos dedos a apontar olhos

a fisgar homens, meninas

não sei

acurar

toda

claridade em pilhas

/da vez em que enviaram seus filhos através deste rio/

os pés duns poetas

as mãos duns poetas

seus pés, porém

são como animais feridos

diante de crianças soltas

donas

de jaulas e jaulas abarrotadas

de papeis e nanquim

martírios dos homens

serem poetas

haverem crianças

ter os pés como urgências que sangram

num mundo que baila, não para, dança até que.

 

 

um lenço no adeus

 

apostando trazer o meu aceno

para o meu ermo

/enquanto preparação

sou nada

nada de muito andamento no desespero/

caio como uma aflição, final

aos trilhos desta estação sem fusão de ferro ou folhas.

 

 

*

 

sou carla diacov. de qualquer forma. não me importa tanto ser. e também vou e volto e babo durante. nasci (09/04/1975) e moro em São Bernardo do Campo e brinquei na praça-dos-meninos. morei a Londrina e ela a mim. fiz teatro e me desfiz. então escrevo e sei que vou, mas volto. de qualquer forma. e gosto tanto de pão de forma com amendocrem. de qualquer forma, que é como eu sou, mas volto. babando.

*

 

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