CARLOS FIGUEIREDO
DRAMA GEODÉSICO
Alguns dos meus antepassados atravessaram o Estreito de Bhering
em levas sucessivas, ao longo de dezenas de milhares de anos.
Outros cruzaram o oceano.
Todos se atiraram.
Pareciam sempre fugir de alguma coisa.
Não admira que eu seja tão inquieto.
(SEM TÍTULO)
Pra Maninha
Aí, ela chamou o diabo. Seu corpo começou a pular. Os braços me comprimiam e alto, do meio de suas coxas, o diabo veio. Primeiro, como veludo, aranha de patas macias, e depois, o diabo vindo, cortiça dura, úmida de intenções, o olhar em desvario. Corpo esmagado. Como num quadro da Maninha. Ouro e vermelho.
SOBRE O TÚMULO DE CRUZ E SOUSA
Gostaria de deixar um dia
Estes poemas
Em oferta
Gostaria de
Poder deixar
Um dia estes poemas
Estas folhas
Em que escrevi umas
Palavras,
Onde seu corpo está enterrado.
Eu gostaria
De lhe deixar algo...
Nem que fosse
Ao seu olhar deserto
Um oásis de lágrimas.
No mistério das coisas,
Jamais dita
Escondida entre as palavras
Negra, a dor maior lateja.
*
Carlos Figuieiredo é poeta, tradutor e promotor cultural, idealizador do projeto Poesia no Metrô. É autor dos livros de poesia Estranha Desordem e Goliardos e da coletânea 100 Poemas Essenciais da Língua Portuguesa, entre outras obras de diversos gêneros. Juntamente com o latinista e diplomata Marcelo Cid prepara Sexo, Vinho e Poesia - poemas goliardos,os beatniks do Século XII. Os poemas fazem parte do seu novo livro, ainda não impresso, A Arquitetura da Ausência. |