ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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 CAROL MAROSSI 

 

 

ALMOST BLUES

Gritos de saxofone
Nessas roucas noite de
Chet blues
o passado escorrendo em
arco-iris, sonolento,
e rubras luzes dilacerando
a maldita retina digital
"The song is you":
não  estamos  em 1959.
Hoje me faço surda
enquanto tu voz
embarca, nua
para Milão.

 

HERR DOKTOR

A tal "Love generation"
e carrosséis brotando dos
teus dedos destroçados.
Uns olhos que jamais
Suspeitam. Nada, nada.
E só depois das 24 horas
Percebo que elogios
Maternos embaralham
a frágil Psychologie
desses teus pés 42,
avant garde, que cegos
sapateiam sempre,
muito além das badaladas.
O agora, babe, ficou tarde.

 

DEPARTURE

A plataforma vazia
um fog indócil
Malas no
chão do trem e
mãos decepadas
acenavam para o nada
das janelas.
Queria sussurrar no
teu peito e cantar
aquela canção démodé
- palavras irresponsáveis -

Mas um apito
insistente cegou
minha voz e,
kamikaze, dei-lhe
a brancura das costas:
hic habitat felicitas

Rios afogando
o frágil rosto
convulso
trilhando caminhos
opostos aos teus.

 

VAGAS

À Júlia Lima

Partiu-se, ela disse,
numa lua gorda
no 12º solstício de
qualquer verão.

Maré baixa,
caminhos obtusos,
vagalhões deflagrando
pés, mãos e melenas.

Je vais aussi, ele disse,
esquecendo-se que
partir conjuga vidas
naufragadas em remorso.

 

A DANÇARINA

Os pés tingidos de vermelho
escarlate
dançando de leste a oeste
Teus olhos alheios
mirando o Pólo Norte
ignorando que é sempre
verão por aqui
e que camas de casal
nunca serviram para você
(os olhos sempre voltados
para o Norte).
Ela segue dançando
até a gravidade cansar.

 

 

Southern trees bear strange fruit
Billie Holiday, Strange Fruit.

As árvores do sul
floresciam negras,
pariam frutos duros
que apodreciam macerados
no seco do chão.

A brisa cálida
ventando facas,
cordas, balas,
jamais vencia os
triângulos brancos
suturados nos
mapas antes
mesmo de 1963.

As árvores do sul já não cantam.
Um dia tiveram um sonho
assim como eu.

 

VERMELHO

O homem: a luz, o sopro, a carne.
Tempos - do homem- de idéias
as casas, as vestes, as ânsias.
Um homem. Prossegue
os cantos, os quartos, os seixos.
Vermelho: foice, martelo, espelho
(e as lutas, os mortos, atropelos)
Guerra cega:
balas, náuseas, desassossegos.
Portas abaixo:
espinhos, prisões, mortalhas.

Eles vêm, não vêm? Amanhã, depois,
pelas sombras. Talvez.
É hoje. Eles chegaram para o jantar.

 

UTOPISMOS

Era mais profundo o rio
de Che.
Naquele tempo,
não liquefazíamos geleiras:
o mundo cabia na caixa postal.

 

*

Carol Marossi é advogada e mestranda em Direito do Comércio Internacional pela Universidade de São Paulo (USP). É membro do Coletivo Vacamarela, responsável pela organização da FLAP! e pela edição do jornal de literatura contemporânea O Casulo. Mora em São Paulo e mantém o blogue: http://hay-tomates.blogspot.com

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