ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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CASÉ LONTRA MARQUES

 

 

 

 

INDÍCIOS DO DIA — SEQUÊNCIA INICIAL —

 

PRIMEIRA PROJEÇÃO:

 

Apenas retenho, num vão de voz,

o calor

— invertebrado — que nos rememora:

sem

deter seus resíduos;

 

retenho — porque repelir

seria

uma forma de reduplicar —

 

o calor

que nos rememora, irradiando

miasmas

de outro diafragma:

 

mesmo aqui, temo a urgência

do gesto

a que retorno, no entanto,

 

com exaustiva,

inconveniente exatidão;

 

apesar de ter devolvido

à dor

os sedimentos de uma minuciosa anemia,

 

permaneço

entre os ruídos

 

do nosso rejuvenescimento:

 

não distante

das perguntas

 

— ainda irascíveis — que o tempo,

quando

desatento, recrudesce:

 

como

parte da noite — do bulbo da noite —

cujas

toxinas ativam

 

— desequilibrando —

 

a potência

(hoje inaudível)

do

estupor

 

(é paciente o seu desprezo):

 

enquanto o delírio

às

vezes desperdiçado

 

num

sinuoso

 

— talvez sísmico —

 

organismo

remove os objetos

 

das áreas — nodosas —

por

onde se alastra

 

— numa luta úmida: a pele

 

crepita

tensionada sob os nomes

 

expelidos — por disparos —

em

obediência a um medo

 

alheio

ao risco de reaver os rastros

que

restauram a angústia;

 

os rastros

 

que subsistem — depois de refundidos,

depois

de regenerados —

 

em fissuras abruptas:

 

assim

se encontrará — durante o deslocamento —

 

um modo de manter

o corpo

no mar, cobrindo ogivas: válvulas:

úteros

não mais inativos:

 

a fuselagem da vigília

 

— antes recuperada,

agora rediviva — conserva

 

a carência (a instabilidade

da

carência) que nos intensifica:

 

numa

inusitada

 

experiência articulatória:

 

inserir um espaço

de

raptos no silêncio

 

das sílabas

 

que o cansaço

enfim cadencia?

 

SEGUNDA PROJEÇÃO:

 

pretendemos nos apropriar da precariedade

dos anos ofertados

à fome mesmo que as palavras

há pouco supridas

 

continuem

subjugadas ao receio de se restabelecer

 

jamais as entregaremos

contudo

ao catre da ineficácia (embora capazes

 

de destruir

o extremo prazer do confinamento)

 

frente

 

à pulsação — insidiosa —

em

que se perde

toda

a provisoriedade da linguagem

 

TERCEIRA PROJEÇÃO:

 

Na fala intacta, a água — pulmonarmente —

reinscrita:

interrogação — mais próxima

 

da sintaxe — extenuada — dos líquidos:

 

(marcas

ruidosas?): estigmas:

 

(aves

arcaicas?):

 

onde tocar o sentido;

 

onde

devastar — propiciando —

 

o compêndio: (indiviso):

 

de

que presença?

 

— premente

voltagem —

 

propagada: manuseando rumores,

 

manipulando

resíduos: pacto — de propulsão —

 

no tempo

 

(do

desabrigo);

 

convocado

 

— no tempo:

da

dor doada?

 

consumido:

 

pelas

veias

 

— descoordenadas —

 

a

impossibilidade

 

(química?)

 

de

dispersão: um recurso

 

— lábios, ritos,

óleos,

músculos — ofensivamente

 

partilhado

 

com as cifras

que

deformam a face.

 

 

*

 

Casé Lontra Marques nasceu em 1985. Publicou: Movo as mãos queimadas sob a água (2011); Saber o sol do esquecimento (2010); Campo de ampliação (2009); Mares inacabados (2008). Do autor: caselontramarques.blogspot.com.br.

 

Leia outros poemas do autor.

*

 

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