CAUBY CRUZ
STOP
Não escondo minha face direita
pressinto porém o golpe
o sangue que correrá.
Desta janela escuto
sua presença. O vento
a mesa o quadro
invocam o pensamento
e o feixe de memórias
que entregarei de volta.
Minuto breve seja
um ai sem dor
mais de espanto que de penas
para que ninguém perceba
prematura. Mais fundo
neste verso antecipado.
Sentado em meu caminho
para a arrancada final
lanço meu braço inútil
tento mudar a ordem
retroceder o acontecimento
aproximando com anunciações:
Coroado entro no reino dos Céus
para amparar meu corpo decaído.
DONATÁRIO
Donatário de terra imersa
procuro meus campos
meu boi que esqueci anos
mergulhado no mesmo gesto invicto
de mastigar, meu cão também
como também meus sapatos.
A terra desapareceu. Aqui ela ficava.
Rio de pedras várias cortava o terreno
mas eu não via as pedras. Amava a posse
de tudo, donatário que fui deste terreno.
Hoje, chão de peixes
OS ELEMENTOS DO VERBO
Quando digo água quero que entendas fogo
a palavra se estende e de ora
um novo entendimento uma nova
forma insuspeitada mas viva além
de viva constantemente transformada.
Dependo não dela porém da aceitação
em ti: o céu é inferno e mais que inferno
é este termo com que luto
o meu pretérito alcança o meu avô
já morto mas firme em mim, galopando.
E através dele vou, através de seus pastos
e porque digo pasto entenderás que é noite
e o ar me amansa diante de teus passos.
O que fala importa se alcançar tua carne
pois flutuar não serve. E é mister que invadas
e descubras porque foi que hesitei
e hesites comigo, sofras a mesma fome
a mesma água engulas, igual peixe
adores e meus cabelos te cubram.
Então, a primavera que invento poderá ser tua
e teu este mistério este cão
que à noite ladra coisas inteligíveis
e o galo, cujo canto acordará teu homem.
(Poemas do livro Os Elementos do Verbo)
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Cauby Cruz nasceu em Belém (1928-1975), contemporâneo de Haroldo Maranhão. É autor de Os Elementos do Verbo (1955). |