Amanhã recomeço
Porque não duvido
destes olhos de cão
em abismo
e sua verdade
Porque o fracasso anunciado
nestas insuficientes pernas
nestas orelhas pensas
barra-me o fastio
e a náusea
Porque a alma
(ainda que lhe falte
ciência ou fé)
recolhe o desastre e
contudo
a fome
Porque pela vontade
(como chamo, talvez de modo impreciso,
o que em nós reagrupa
as formas naturais)
ora conheço a entranhável
transparência
de cidades que supunha
improváveis
Aqui caminho minha presença,
ganidos,
porque certos episódios
dependem desta voz
para inscrever-se
* * *
Dentes da frente em cacos
aguardo o mês
de porcelana claro.
Toda noite
o pai é morto
alguém é morto;
toda noite
como louco de rua
carrego os restos
dos que ainda estão
ou mal deixaram
este outubro
esta terra onde só cultivamos
vinhas da ira que
nem elas
vingam.
TARJETA POSTAL
Sobre o fundo preto
das roupas austeras
¾ dir-se-ia um
recente luto
(haverá, onde não
podemos enxergar,
panos nos espelhos?) ¾
os rostos
merecem o nome
brancos como cera;
nítidos
como um grito;
à frente projetados
como que para
nos alcançar mais rápido.
O que entra
pela janela à esquerda
e, à direita,
paira sobre a menina
já não sabemos se é a luz
desse julho 1925
ou o que pelos anos
mudou esta foto
em sinal de nós mesmos:
deste à pena homem
quase ereto
criva-me o olhar-Lang
na medalha ínfima
que a mais velha carrega
minha própria e
fraturada
imagem
posta em abismo.