NO OLHO DA AGULHA
Tatuar silêncios
como formigas.
Afogar os relógios
numa pálpebra.
Vestir o grito com a pele
do escaravelho.
Torcer os músculos da face
em perplexidade.
Cruzar a via absurda
das unhas, desorientado,
obscuro, recurvado
sobre as nádegas.
Saber que toda flor é ridícula,
e mesmo assim cultivar
o minério,
a dor,
a surda epilepsia.
Esquecer o próprio nome,
e sovar a terra
até a exaustão.
(Fosse apenas uma canção de colheita,
você diria amor e outras
palavras fáceis.)
Com o riso estúpido do camelo,
viajar ao olho
da agulha,
labiríntico, insano,
acreditando que toda história é um ácido.
Depois cauterizar a ferida,
aceitar o reflexo,
o simulacro,
lembrar-se
da semente antes do pão.
Tayata gate gate
paragate parasamgate
boddhi soha.
FILÓSOFOS, COGUMELOS
Rumor de verde-água
esse bosque de caninos que desaparece.
Trevos
na boca
- odor
de cogumelos
e lua-de-
mosquitos -.
Estranha senhora fênix
viaja em
caligrafia sua
tiara
azul.
Vagares da lua de outono
biombo jasmim dragão
no teto
curvo
como atravessar
espelhos.
- Armas e cascos de cavalos
ao longe -.
Filósofos-de-laca
conjeturam possíveis amanhãs
LEOA, CLAVÍCULA
Jovem negra pinta de azul-violeta
as pontas dos mamilos.
Há jaguares
sob as unhas.
Mímica
de esfinge
nos pulsos.
Núbia voz animal
raio-de-pedra golpeia nudez janaína
reflexo de híbrida
orquídea
ou seio-
noite-
flor-
que incandesce.
(Três colares
de relva;
riscos
gravados
na rocha,
sortilégio.)
(Pintura: mascar o carvão
leonino da desértica
epiderme,
ruminando
arenoso
até cantar
a clavícula.)
PAVÃO, MARTELOS
Recomeçar a travessia
do elefante, a via do esqueleto
e do coágulo.
Até queimar
o sol.
Mascando insanidade,
em ofício rouco
de martelos,
repetir o ato insone,
raquítico, epilético.
Retribuir ao medo uma
jóia
minúscula.
Fabricar, com as próprias
mãos,
um pavão real
- e depois
cegá-lo.
Fornicar o amarelo - abstração
do violeta -
e desfazer
a palavra
estrela.
Até queimar
o sol.
Ser asqueroso, simples
e tosco.
Desejar lutar
com Deus.
Por fim, recolher
as metades
do rosto,
e ver a luz refletida
na mina
do mistério.