ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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DANIEL SAMPAIO DE AZEVEDO

 

 

 

 

TERROR SAGRADO SOB O SOL DO MEIO-DIA

 

1.

 

draga-me

o dragão

às grades

dos dias

 

agrilhoa-me

os braços

de rugas

e algodão

 

nenhum

grito

nenhum

sismo

 

a so

ga gór

dia à glo

te.

 

2.

 

asfixia

 

p(r)esa

ao peito

 

a

 

(l)

í(ngu)

gne(a)

 

a

 

do dra

gão(!)

 

como

(se)

 

insígnea

 

o

sol.

 

3.

 

o corpo à

forca do asfalto

 

catafalc’

o corp’

abort’o

(o) sol

 

bolor

bolor

 

abrolho so

bre a pele s

ob agulhas

de abelha

 

prenhe

 

o dragão

engole-me

a cidade:

 

.

 

4.

 

é como se

engrenagem

a carne gangrena

de cães aço

a apodrecer

rodovias en

cru

zilhadas escamas

o dragão

a sem sangue

se alimentasse de mim.

 

5.

 

abjeto

 

como

vísceras do dragão

 

&

 

intestino de

asfalto

:

corpautofagia

quando o

 

sol

 

se acid

entre

 

abscessos

 

6.

 

o dragão sombrou

m e as (m) as

 

para

o inferno

 

e caí como o corpo morto cai*.

 

7.

 

infern

o

s  berb

o

 

s  u

o

  ss

o

 

& medul

o

pOrOs

o

 

o

 

med

 

 

DA SÉRIE PERFIS

 

1.

 

O cigarro entre os dedos faz cair

cinzas sobre o prato

alumínio e flexível do almoço do dia.

Mas a fome não dejeta

o desejo do vício.

Ao contrário, ela despeja

uma tensão nos intestinos

do faminto que agora come

com as mãos sujas

de um trago pra lugar nenhum.

 

2.

 

A intenção do tiro

lhe passar as têmporas

adoça o tempo que lhe resta.

 

Sabe ser a vida

o segundo de silêncio

antes da estopa da roupa

ensaguentar-se.

 

Como um Werther, o vinho

entornado sobre a mesa,

risca o dedo para sonar a vida

 

e o doce rumor do nada.

 

 

3.

Espera ao pé do lixo

a vez de ser chamado.

Segura a ficha entre os dedos

polegar e indicador

de traços magros, pele

ressecada e rugosa como

figo seco e estragado.

 

À frente há o espelho

das janelas contra o

rosto de horto e pétalas

em pedaços de calcário.

Mas está em desconforto,

e não percebe o reflexo

do ramalhete de corvos.

 

Sua vez, no entanto,

não será agora. Antes

dele, aquela Senhora.

 

 

 

DA SÉRIE NUTRIÇÃO DA PELE

 

1. Amors es perduda

 

quero

   do Amor

diamante qual

dinami

 

te nitri

dos as

 

ticos

ânsia onça

de roubá-la robusta

 

antes

de tuas car

nes

o belo molde

 par

 

tir,

and being

bent and wrin

kled,

que ao

 

tem

po res

te o des

ate.

 

2. Mudragada

 

pó sobre maráguas                   sob arcada

biombo de estrelas                   serpentes e cambraias

 

o chão e o campo

tudo escuro depois da praia

 

até o satelight              pálpebras sobre o olho

onde só se vê               a pouca lúgrima

 

o pó cobre

tua presença derramando

como óleo

quente

 

                                   já à hora de ir embora

 

3.

 

A porta entreaberta

entrevejo

sob um quarto de luz

sobre a cama

a silhueta

que teu vestido

deixou à vista.

 

O braço branco

por sobre a cabeça

se insinua o sono

de teus cabelos

à sombra do criado mudo.

 

Salivo cada sílaba

no bobo beijo

que o ar me leva.

 

 

 

DA SÉRIE NINGUAGEM

 

1. O Poetário

 

o candeeiro que

brado iluminar a pouco aos proletários

mina

 

a figura – escura –

quase meio foto espelho fosco des

n u d o

 

u n o  entre correntes

em meio velar a negro centro ébano

escreve

 

das palavras o poetário.

 

 

2. Peça

 

Um pirralho maltrapilho

pilhava na rua um disco

de vinil; na capa, escrito:

    4’33’’ for piano

e o silêncio perdeu o risco.

 

 

* Tradução do Canto V do Inferno da Divina Comédia de Dante Alighieri, por Augusto de Campos.

 

 

*

 

Daniel Sampaio de Azevedo, nascido em 1983, é poeta e advogado. Publicou poemas, traduções, ensaios e artigos no Correio das Artes (revista-suplemento do jornal A União), como também no extinto suplemento literário Augusto (do Jornal da Paraíba) e no jornal literário O Casulo. Participou de antologias, organizadas pelo poeta Claudio Daniel, Antologia de Poesia Brasileira do Início do Terceiro Milênio, lançada em Portugal em 2008, e Todo Começo é Involuntário, lançada no Brasil em 2011. Foi, além disso, colunista do jornal A União entre os anos de 2008 e 2009. Embora seja poeta inédito em livro, tem no prelo duas publicações voltados ao Direito pela editora Jus Podivum em coautoria com o advogado Rinaldo Mouzalas.

 

 

Leia outros poemas do autor.

*

 

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