ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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DENNIS RADÜNZ

 

 

 

 

ARTE ANATÔMICA

 

 

nasci na sina as-

sim (recém-sen-

tido, um siamês

ao semi-, em si,

 

à sós, além) se,

sêmen a sêmen,

me assinalo, só,

refém de genes:

 

regenerrando

 

 

ninho ósseo onde me inflo onde me inalo influencio ou me fixo

o nicho isso onde me estranho onde me acho ou onde me doo

onde me finjo e asfixio onde me exalo e onde me exijo: exilado

sou sósia do fóssil onde me extingo – um dia ainda me consigo

 

 

(Do Livro de Mercúrio, 2001)

 

 

 

BETUME DA JUDÉIA

 

a minha origem mineral, feixe de palha,

embebida em óleos leves, inflama-se – Osíris,

por quem as tochas na cidade egípcia:

acesa: na entranha a figura de óleo e de água

transmigra nas formas da virgem Maria:

a romaria na rua abrasa-me a íris ainda

em Santa Catarina: Petrolândia: Sexta Santa:

 

um Vice-prefeito viu pedras que esfumam

ou nublam-se em chapas de ferro e em brasa,

em círios, nevoa, nimbo: tremor no interior

dos tímpanos: o aroma úmido de bússolas

e uns helicópteros na costeira, em buscas

de corpos e origens: ou almas, sísmicas, onde

 

as histórias geológicas se misturam

no refino do fóssil de todos os dias.

 

 

diz-me um da Economia: milênios

se consomem, de Uruk ao Iraque,

e ele, consumidor se consumindo,

consome-se na leitura dos astros:

Varuna, por exemplo, é recente

no Sistema de lucros e desastres:

 

            bálsamo da terra: betume: bréia: alcatrão: azeite:

            asfalto: óleo mineral: óleo de rocha: óleo da terra:

            resina: lama: pissasfalto: óleo de São Quirino:

            de Sêneca: de Medeia: piche de Trinidad: pez de

            Barbados: múmia: nafta: malta: óleo de Rangun:

            nafta da Pérsia: betume da Judéia.

 

a minha origem, animal, afunda em poços

além do nado ou das sondas

mais hidrogênio que algas, ondas de rádio

nas ondas – homem de vento,

 

            extraio sol de onde não tenho   

 

 

(Do Livro de Mercúrio, 2001)

 

 

 

SOBREAVISO DOS SOBREVIVIDOS

 

repousa

a pele provisória

a provisão de esperas

uns nomes devorados

ainda em polpa

 

respiram

alevinos e nenúfares

as vértebras visíveis

os açúcares salobros

sonados e insalubres

 

no aguaçal de sal comum

moído e iodado – eu

            porque sou inesperado

            o futuro me descansa

            debaixo da aparência

 

 

(De Extraviário, 2007)

 

 

DESVIO PARA O DILÚVIO

 

En el centro incólume del aguacero um pájaro cantando

José Kozer

 

 

o ar baldio da chuva, às vésperas de abril,

as vértebras vasculha, vibra então as vísceras,

os tímpanos e as têmporas e os hímens do vazio

 

(PRIMEIRA PROVISÃO)

o nado é urgentíssimo

na travessia do sinal

 

:

 

o sol sem serventia – ventanias

se esfoliam no escuro da água falsa

e a cegueira as desossa: lascas

da lua fria nos alvéolos dessa rocha

 

:

 

o ar bravio estronda e estira-se o estio

nos rasos do baixio da gávea de vigília:

eu, sem mais nenhum brevê de vida

 

(NENHUMA PROVISÃO)

o ninho às escondidas

no colo do temporal

 

 

(De Extraviário, 2007)

 

 

 

AS CIDADES SEDADAS

 

Habitar significa deixar rastros

Walter Benjamim

 

 

1/ [apartamento]

 

o corredor de deserção a deserção

 

no cubículo do crepúsculo pisado

           

no sopeso dos reservatórios rasos

 

entreabre a basculante, desabita

 

empareda entre as paredes-cegas

 

silenciários¦sedados¦suicidados

 

suas áreas intérminas de serviço

 

não-olhos de alarme sob a vista

 

 

 

 

2 / [as paralisias]

 

 

o último acostamento

 

¦buraca¦molícia¦borriço¦melúria

¦borracha¦lamúria¦blindados¦blocausse

¦blecautes¦barulho¦borrascas¦desarmes

¦os relógios se consultam¦meios da velo

cidade¦as hosanas de sirenes¦e animálias

semoventes corridas pelo encalço¦

 

desde a era cenozóica

ou acelerações futuras

 

uns consumidos subsumidos

no campo além da antevisão:

 

a cerração da sobrevida nos traz escuros para a brisa

 

 

 

 

3/ [os trânsitos]

 

 

a próxima velocidade 

 

¦provisões de previsão do tempo exposto

em nervo de espaço¦em póvoa pulcra

¦e aa quarta feira seguimte pola manhaã

topamos aves a que chamam fura buchos¦

nichos escuros do metrô em que mineram

os acusados consanguíneos¦os bichos¦

 

o perdido sob a pista

nos cediços do que é éden

 

os escapes e capturas

e as patrulhas de procuras:

 

dois acidentes aproximam-nos nos fins da sinalização

 

 

 

4 / [área de embarque]

 

 

            e me chamassem

na ante-sala da emergência

os remorrentes do acidente 1

encordoados de fisionomia

e recém-saídos da aparência

e me ensinassem

suas coisas de ciência curta,

ou demorássemos, convivas

no entorno de suas terrinas

repletas de terror ameno

 

 

despedidos dos inânimes da carne sobrenadam sem alerta os decaídos

   sobre o cimo incendiado do edifício: ceras leves sobre sua pele: acesas

 

 

 

5 / [detetor de metais]

 

 

e eu lhes tocaria

o fundo falso dos aspectos   

suas células secretas

todas as áreas da inocência

e nos vulneraríamos

no mercado de futuros

ou nos espelhos populosos

carregados pelos pisos 

de um peso-pênsil em asas

incendiadas pelos usos 

 

como se nos alimentassem

            somente pães de explosivo

 

 

(Inédito)

 

 

*

Dennis Radünz nasceu em Blumenau (SC), em 1971, e hoje vive em Florianópolis. Coordena a editora Nauemblu e co-traduziu, com Lia Carmen Puff, o livro de poemas infantis do naturalista alemão Fritz Müller História Natural de Sonhos/Naturgeschichte der Träume (2004. Dennis Radünz manteve,  entre 2004/2008, uma coluna semanal de crônicas no jornal Diário Catarinense.  Publicou três livros de poemas Exeus (1996), Livro de Mercúrio (2001) e Extraviário (2006). Acaba de lançar o livro de crônicas Cidades  Marinhas: Solidões Moradas (2009).  Ministra oficinas de literatura pelo circuito do SESC e viaja o estado com a performance Radical Volátil.

*

 

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