ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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DOMENICO DE ALMEIDA COIRO


 

MANIFESTO

quando beleza, lavra proibida?
turbilhão passará?
cotidianamente, dia a dia
maldita melancolia negra
paradise lost ou macunaíma, preguiça?
diáspora engolindo cidades
matéria guerreira vermelha
explode o fim a ira hiperbólica apocalíptica

        trigais
                   ressurgem fraternos
                                                   duro retorno

luta
fragmento-escrita
girogira intimismo, tino serial
desvairado ofício, módico vivente
sem causas ou metas
a-bandoneón às conseqüências complexas
névoas e nuvens
poesia caótica


                                                                                  (1983)

 

PEDRA PALAVRA

silêncio, nos envolve,
presente a dúvida: a dor que não é nossa
e não fere o que somos, tinge a água-luz nascente,
não-ser de todos comum raiz?

antenas vivas, novos tímpanos e retinas
debruçam suas infinitas faces
e quando, sem prevenção, descolam dos olhos
as cascas, a ilusão,
ruem refúgios, fortalezas, barricadas do ser,
já brilham transparentes suas margens:
qual a luta que nos cabe
nesse pandemônio, lago sangue, chaga anônima,
trovejo clamor incendiando os nervos da Terra?
na garganta o grito, timbre rude da dor
que é e não é minha, lógica móvel
ressoando os brancos clangores
das contemporâneas trombetas de Jericó,
desintegrarão muralhas, redutos, mentes
da grande devastação

                       ouvirão o fervilhar dessas ondas?

o prenúncio posto, nu e desvelado
limpa o céu das dúvidas em revoada,
nos recolhemos então à paz incontaminada
brotando das fontes e frescas rochas,
claro amor, sangue ouro correndo
no ventre da Terra,
pedra palavra
                                                                                  (1992)

 


LÍNGUA


fazendo lento o
desatino amante
— vozes e fontes
lábios vagos
fulgurantes
arroubos
cometas
codas
catedrais —
bocas
entrelaçam línguas,
abrasadas estrelas
(fala-flauta, magma minguante)
calcinam-se

pó de luz
seu imo
renasce risco
tecido sol
em som
escrito
cristal

 

SAFO


gestos sonoros
faces libertas
nos corpos
da arte cotidiana
sopram
em si

bicos
prenúncios

        {pronúncias
ocultam (en) cantos}

céu
saf
ira
des
tino

Délfico Som

Sibilas

não os vemos

(ou) vimos?

MATÉRIA
                                         a João Cabral de Melo Neto

opaca palavra,
garimpo em lucidez metálica,
inerte, compacta

resistir, oblíqua sina
em forja, sob frágua e verbo,
voz irmã, meu destino
com o limite fez pacto:
matéria sou, resisto à escrita
em lâmina corpo, apuro o fio,
som minério que doma, esfria
e agreste, lavra seca a morte
num talho

 

XLI


Eu, somos o único
deles todos, e não adianta, simplismo,
assentar de modo seguro,
o que importa, afinal,
— não, não a finitude —
o permeio, entre-
mentes, midiática
simultaneidade
nômade, ambulante.
Certeiro: o ser nasce em terra plantada,
sentado cultivo do chão, cultura.
Móbil volantim, a alma,
animal de pasto, sem raizame,
pensa de pé andante,
contracultura, contra-cátedra,
puro metabole-humano.
Nele, planta não cresce,
a alma nômade pastoreia,
busca o nome desconhecido

 

*

Domenico de Almeida Coiro, poeta e músico, nasceu em 1961. É bacharel em composição e mestre em Artes pela Unicamp. Atualmente, realiza pesquisas sobre a poética oriental e compõe trilhas musicais para teatro.

*

 

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