ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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DOUGLAS BATALHA

 

 

 

 

O GATO E O SOL NA JANELA

 

 

              para Ferreira Gullar

 

Todo gato é esfinge

impossível desvelo na luz

 

Iluminada completa, inteira sem sonho

novelo puxado de um canto a outro, não é

enterrados, fundo nos olhos do gato

a nós cabe o segredo de rolar sem causa

 

Todo gato é esfinge

e eu sou o animal que não adianta

 

 

 

PRELIMINAR ERÓTICO

 

Penetra surdamente no reino das palavras

                         - Drummond

 

 poeminha amor

um sobre o outro

 

 foi de noitinha

você gosta sem ver

 

que sou tímido

 vulgo texto-flor

 

 

 

DO POETA PERDIDO

 

Sou poeta do canto

do menino mal educado

sentimento da vergonha, do amor

 

Ontológico, sou o que estou

ensimesmado do ofício

preso da existência ao horror

 

Soldo amargo do engenho

do perfeito povo iletrado

morto da letras doutor

 

 

URBE ANIMALIA I

 

Urbana mosca amarela

açúcar em liga metálica

pobre pólen sacarídeo

tomado entre tapas, caídas

como lixo no chão

 

Ventre nos cantos da rua

couraça corpo cimento

nosso escuro silêncio

aumenta sua fome

(erário do sono, das sobras)

 

Morbo alado

grupos cinza sujo

arrulhos de gozo por pipoca

circulando arredores

uma questão sanitária

dos velhos na praça

 

 

 

OVORINHO

 

passa sobrevoando

o telhado de casa

um ovo

 

ovo de asa

dentro

de um ventre

 

não se vê bico

só palha e barro

não canta

 

no momento

convém aparecer

o ninho?

 

canta

passarinho

vizinho

 

 

 

POEMA TIRADO DE UM JORNAL LIBERTINO

 

Homem apaixonado morre no morro do capim-navalha

corpo perfumado caído por Carmem comprometida

- ainda desconhecido.

 

As jovens ouviram três gritos:

― Dois ais, um bramido!

é triste, mas foi bonito

 

singrou os pulsos profundamente

como se nunca tivesse amado

e tido os pulsos cortados

indício de prova do amor

 

fino bigode, bom trato

camisa aberta dois botões

cachos alinhados no pente

deitados no cardo crescido

 

mulheres condoíam, suspiravam

(sonhando seu corpo perfumado)

rogando a Carmem compaixão

 

atirado desse mundo

guardava chuva nos olhos

daquele favo coração

 

 

 

POETA SÓ

 

Voa baixo massa falida

peso sem amores e religião

atrai Sinão o quê?

 

Marcham tropas, átrios - atrito terrestre

açoites mundanos pelo céu da boca

canção dos homens e dos versos

 

Sobre nós a morte brilha, norteia

quintal dos uivos incompreendidos

homens despertam só para trabalhar

 

amantes dançam tomados no mesmo lugar

e mesmo o mar, desmedido

mantém os pés no chão

*

 

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