e.m. de melo e castro
três
ODES OCAS
" a essência da obra de arte é a tautologia,
pois as obras de arte não significam
mas são"
Albrecht Fabri
citado por Haroldo de Campos
In
"Metalinguagem", 1976
1
políticos consistentes
as primeiras figuras políticas portuguesas são iguais às
primeiras figuras políticas francesas, às primeiras figuras
políticas inglesas, alemãs, espanholas, italianas, belgas,
holandesas, polonesas, australianas, etc., etc., etc.,
as primeiras figuras políticas da união europeia são iguais
às primeiras figuras políticas portuguesas que são iguais às
primeiras figuras políticas dos estados unidos da américa,
que são iguais às primeiras figuras políticas do canadá, da
china, do japão, do paquistão, da índia, e das filipinas,
etc., etc., etc.,
as primeiras figuras políticas das coreias do norte e do sul
são iguais às primeiras figuras políticas da nova zelândia,
da mauritânea, da indonésia, do líbano, de israel e iguais
às primeiras figuras políticas portuguesas que são iguais ás
primeiras figuras políticas argentinas e da republica dos
camarões, etc., etc., etc.,
as primeiras figuras políticas brasileiras, da groenlândia,
do méxico, da venezuela, do chile, da letónia, da irlanda,
de malta, da grécia, da turquia, da republida checa, etc.,
etc., etc., são políticos de primeira linha tal como os
portugueses, os índios, os guineenses, os ucranianos etc.,
etc., etc.,
as primeiras figuras políticas da rússia são iguais às
primeiras figuras políticas da suécia, da noruega, da
finlândia, do zaire, de moçambique, de angola, de timor dos
emirados árabes, da republica de são marino e de todos
países que não foram mencionados mas cujas primeiras figuras
políticas são iguais às portuguesas, etc., etc., etc.,
todas estas primeiras figuras políticas utilizam nos seus
deslocamentos políticos carros pretos topo de gama, com os
vidros pretos, preferencialmente de fabrico alemão e usam
telefones celulares semelhantes fabricados no japão, na
china ou na tailândia cujos políticos são obviamente iguais.
2
o voto em branco
os cidadãos reclamam porque sabem que reclamar é ineficaz.
# os cidadãos organizam-se porque sabem que reclamar
sozinhos é ineficaz. # os cidadãos revoltam-se porque sabem
que a organização é ineficaz e reclamar sozinhos ou
organizados não dá resultado algum. # os cidadãos sofrem as
cargas da polícia e a ignorância dos políticos porque sabem
que protestar individualmente não dá resultado, a
organização é igualmente ineficaz e a revolta conduz às
prisões e aos hospitais. # Os cidadãos suportam as prisões
e os hospitais porque sabem que votaram bem e livremente nos
políticos que escolheram. # os cidadãos votam livremente
mesmo em branco, porque não têm outro modo de se exprimirem
democraticamente, embora o voto seja também ineficaz.
3
diálogos pra-lamentares
insultam porque insultam
são insultados porque insultaram
porque insultam insultam
porque insultados insultam
porque insultados são insultados
os insultos não resultam
mas os insultados insultam
porque insultam os resultados
que resultam em insultos
sem outros resultados
*
E. M. de Melo e Castro,
poeta e ensaísta, nasceu em Covilhã (Portugal), em 1932.
Praticante e teórico da Poesia Experimental Portuguesa nos
anos 60, é considerado pioneiro da vídeopoesia ( Rodalume,
1968). Professor convidado para ministrar cursos de Infopoesia
e Ciberpoéticas da Transformação, no Programa de Comunicação
e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(1996-1997) e professor contratado para ministrar cursos
na área de Estudos Comparados de Literatura e Língua Portuguesa
da Universidade de São Paulo até 2001, com tese de doutorado
em Literatura Africana, é autor de inúmeros livros, dentre
os quais: Finitos mais Finitos, Literatura Portuguesa de
Invenção, Visão Visual, O Fim Visual do Século XX, O Próprio
Poético , Poética dos Meios e Arte High Tech, Dialéctica
das Vanguardas, Algorritmos, Trans(a)parências, dentre outros.
Infopoesia: produções brasileiras está disponível na página
http://www.ociocriativo.com.br/meloecastro.
Veja
também poemas
visuais de E. M. de Melo e Castro.