ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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ED PORTO

 

 

 

 

A PELE

Para Fábia Lívia

 

Pele de fruta é casca

(cebola branca ou cebola roxa?)

Pele de peixe escama

(baleia azul ou baleia branca?)

Pele de gente descama

(ou descasca?)

Pele de bicho se caça

(casaca de couro de vaca)

A pele indica a raça:

se é gente amarela

é tribo da Ásia

(anemia ou malária?)

Se é preta ou branca revela a banda da terra

(de Itália ou de África?)

exceto no Brasil onde se mescla

Se fica vermelha

(vergonha ou excesso de sol?)

Se arroxeada

(frio ou asfixia?)

A cor da pele identifica parte da cena

Seu cheiro?

Fica pra outro poema

 

 

CUNILÍNGUA

Linha reta

Seta pra cima

Quando balança

se insinua

Seminua: Deus do céu!

Seus seios são

indescritíveis

Mesmo indiscreto

meu eu, cretino,

sobressalta e pensa

sua boceta

seu formato

seu tamanho

seus grandes lábios

roçando minha língua

e o Kama Sutra insuficiente

Sinto muito

se lhe como tão somente

com a cabeça

o papel

e o lápis

 

 

DÚVIDA

É como se ouvisse alguém gritar por mim agora

Ela me espera: pera pronta para se comer

 

E eu?

Yo soy casado. Un hombre preocupado con la feira

 

Que diferença faria

se eu lhe abafasse o grito com um beijo?

 

 

MORAIS DA HISTÓRIA

Em todas há compensações

 

Numas abundam mais desejo

Noutras bocejam grandes lábios

 

Numas os anos se permitem

Noutras se adiam o diálogo

 

Numas mais amores em seus seios

Noutras preferências mais orais

 

Morais da história:

em todas há compensações

 

A ideal se procura desde tempos imemoriais

 

 

O TREM DE CATAGUASES

O trem de Cataguases

cheio de bauxita

treme o chão

Apita e passa lerdo

perto de mim

Incita-me a pegar o túnel do tempo

e pousar num mundo sem pressa

Com sua cauda longa

para o centro da cidade e desfila.

O trem e rio se emparelham

e seguem de mãos dadas

 

 

SABOR FANTASIA

Para Sandra Marrocos

 

Alguém que me ama

e não se identifica

finca suas estacas em volta de mim.

Cerca-me estrategicamente

e fico atordoada

sem saber se o absorvo

ou resolvo bater em retirada.

Sabe que é bom sentir-se amada.

Mas, qual é o sabor desse fantasma?

 

 

SURDEZ

Para Totonho

 

Por que entendem guilhotina

quando falo bússola?

Por que entendem falo

quando falo cu?

Por que entendem sul

quando falo norte?

Por que entendem morte

quando falo azul?

Por que entendem açude

quando falo rio?

Por que entendem pio

quando falo grito?

Por que entendem agito

quando falo pátria?

Por que entendem: pária!

quando falo: bicho!?

Por que entendem lixo

quando falo seda?

Por que entendem merda

quando falo luxo?

Por que entendem bucho

quando falo bunda?

Por que entendem nada

quando falo tudo?

Absurdo, absurdo, absurdo!

 

 

*

 

Ed Porto nasceu em Campina Grande, em 1964. É professor do Programa de Pós-Graduação em Informática da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPB. Primeiro colocado no concurso literário da Associação Paraibana de Imprensa em 2000 (categoria poesia). Livros de poesia publicados: Anônimo (2004), Ária Literária (2006), Tra(i)nspiração e outras coisas (2007), selecionado pela Fundação Cultural de João Pessoa (Fundo Municipal de Cultura), e Mosaico (2009). Dois de seus poemas foram musicados e lançados em CD por artistas paraibanos.

*

 

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