DILA GALVÃO
©Guto Lacaz
JAZ
Não me interessa
a poesia, nem
que seja essa:
escrita sem
nada que a valha;
corta-me — não por
dentro — a navalha,
sem contar a dor —
não essa — mas
aquela outra mais
funda que jaz
perene por detrás.
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ESQUIVANÇA
Tropeçava primeiro
na escada, depois
em pedras e, por fim,
em palavras.
Dizer por si, assim,
de modo esquivo,
não que se esquivasse
propriamente,
— porque há certas coisas,
(quase todas, na verdade)
não há muito como
deixá-las fora,
deixá-las fora é,
de qualquer modo,
sempre uma esquivança,
e uma esquivança
não é algo que
está, propriamente,
fora, ao largo; a
esquivança seria
mais exatamente
aquele modo
(esquivo) de pôr
fora o que já é
dentro — era esquivar-
-se das metáforas,
tão cedo viessem elas,
que insistiam em
dizer por si. Assim
tropeçava ela: primeiro
na escada, depois,
de modo esquivo,
em pedras e, por fim,
(não que se esquivasse),
em palavras,
propriamente.
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PAISAGEM SÚBITA
As imagens,
as paisagens
correm
por meus olhos
— são só lembranças —,
escrevo,
espero os minutos
passarem
pela
pele,
(pedaços meus espalhados por todos os lados)
parada no tempo
de agora há pouco:
meu olhar
no espelho,
longe,
ver súbito
um olhar
assustado
com o que via.
COISA DE MULHER
Menstruação,
tpm,
gravidez
um terço
a menos
no salário
vagina
peito
clitóris
bunda
orgasmos
múltiplos
fingidos
pernas
cruzadas
(mocinhas
bem-comportadas)
segredos
contados:
o tamanho do pau
- a mínima diferença -
o teatro
palavras
baratas
gravatas
caras
coraçõezinhos
brilhantes flutuam
por sobre
a fotografia,
amantes
afogados,
objeto kitsch
pingüim de geladeira
A obsessão
dos detalhes
histeria
falação
felação
a última palavra
COISA DE HOMEM
Sêmen
tesão
menos
complicação
desejo
submarino
nave espacial
helicóptero
brinquedo de menino
piada de mulher
sexo carnal
espaço sideral
pau duro
- a máxima diferença -
ejaculação precoce
impotência
ereção
o orgasmo que não se finge
complexo de herói
complexo de Édipo
síndrome de castração
pânico
neurose
a ignorância
dos detalhes
síntese
indiferença
princípio de realidade
esquecimento
mecânico
previsibilidades
a tampa do vaso levantada.
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Dila Galvão é professora de Estética nos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Comunicação e História da Arte na Fundação Armando Alvares Penteado – FAAP, São Paulo. Os dois primeiros poemas pertencem a um livro inédito chamado Dúvida Dívida Dádiva e os três últimos a um projeto ainda inacabado chamado Gaveta de Calcinhas. |