ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

FABIANO CALIXTO

 


Entre dias

 

quieto, enquanto passas
a vida passa
a escada armada
o chumbo
de não ter asas

grito
entre dias
manadas que mascam
o que lhes sobra
de sangue

o sol
um domingo derrotado
na quina distante
de uma janela podre
onde

os dias

se

desenham

 

 

Arpejos

 

derrotada pela palavra
que molhou com mel
ela não mais acredita
em cerâmicas chinesas, dicionários, flamboyants etc.
mas quando se debruça (como as glicínias
seus azuis
à atmosfera ainda nua)
à janela
a contemplar a tarde
algo premeditado
entre as forças do universo
age
deflagrando uma geometria particular
a partir de seu dedilhado
ao antebraço

 

Sem título ou Fragmentos líquidos

 

réptil, este rio (espelho
de espasmos) rasteja
dentro de si.

este, ao sol desta hora
convulsiva. dia sem encanto
ou quina.  

rio indigente
como fosse aborto
desta urbe.

(este, adeus à
pequena vila
que o esmerilha).
...

o rio,
este, cadáver
líquido.

 

Poema n. 39

 

"La carta que me mandaron
me piede contestación"
Violeta Parra

 

insurgente: um povo
noite sem estrelas: um rosto

(um gay em São Francisco,
um chicano nos Estados Unidos,
um negro na África do Sul,
um palestino em Israel,
um judeu na Alemanha,
um muçulmano na Bósnia,
um camponês sem-terra em qualquer país,
uma mulher desacompanhada no metrô às 10 da noite

dentro cravado impregnado
um homem
insurge

alguma fé
ya basta!

(um coágulo de mel
na pele inimaginável
de um imenso
mar morto)

Iracema

um vaso
almeja
iluminuras

cor a cor - uma
tapeçaria múltipla
de estados (luzes,

tecidos, corolas)
rasga todos os mapas
extingue os astros

pelo que neles é
ausência natural
é fotografia
medir palavras
a esquadros
pensamentos (veludos
de pálpebras) quatro
sentidos
falidos
...

garoa
odor
não-me-esqueças

 

 

Poema n. 18

 

(em Nice) (em
Leningrado) (aos
quatorze do sete
de vinte e sete (aos
quarenta e sete)
Isadora adeus-se)
(os dois não sangüíneos
filhos: a foice mortal
das águas) (o poeta
proletário (filho dos
filhos de
Riazan) dos fios
linhos rubros
do pulso até os
dos dias - amor
tecendo o futuro - ex
pulso)

*

Fabiano Calixto nasceu em Garanhuns (PE) em 1973, mas reside em Santo André (SP). Publicou os livros de poesia Algum (1998), Fábrica (2000) e Um Mundo Só Para Cada Par (2001), este último publicado em parceria com Tarso de Melo e Kleber Mantovani, entre outros títulos.

*

 

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