RENÉ CHAR
Cantou a matéria
trêmula
Ao sol vívido das coisas mínimas
Banhou-se no rio improvável
De um tempo sempre renovado:
Que caminho seguiu senão
O da luz derramada contra o dia
Amparada pela noite prematura
Quando sua poesia, vértebra de prata
Perfurando a deslembrança do que morre
Era luz - voz rompendo a superfície
De um céu monolítico, de jade.
* * *
Brilham mais as estrelas
da Judéia
Na noite em que o amor adormece na nudez
Nos lívidos braços do desespero e da dúvida
Olhares irmanados, morte e sonho:
A noite do oriente semeia abismos
Nomes desconhecidos, mortos que se retorcem
No anagrama do sono como ervas danosas
Penetrando o frio desterro noturno.
Quem antes de nós depositou neste chão
O seu corpo, clamor de dúvida e desespero?
Quem antes de nós lavrou as estrelas da Judéia
Com orações e ofertas prestimosas,
Vendo levantar-se desperta a noite de areia
Para - demônio - açoitar-nos na solidão?
* * *
No geh hin-nóm,
o seu último desterro
Será na inanição total, na inatividade?
Será entre os mortos silenciosos o seu anseio
De percorrer as estradas do mundo?
Sente-se forte, invadido pelos
Sonhos infinitos, as estrelas de Lúcia, sua
Noite de fausto e beleza, de jade noturna.
Verá Deus as suas lágrimas de santa
Espera, de impaciente procura, de ocre
Esperança, cor de terra, misto de miséria
E rostos estilhaçados - a areia do deserto.
Entre as colunas de Lúcia em seu corpo,
Onde ele, o peregrino, ocultará o seu rosto
Contra a morte que sente avançar intributável?
* * *
O centauro ainda arde
em mim:
tatuagem medonha a lanhar por dentro a carne
Contra ele ergui cidades,
construí estradas e ruas:
a ferroada de suas patas dispersa minhas searas.