ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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FÁBIO CARDOSO

 

 

 

 

ponsardin

 

sempre

 

esperando por +, mesmo diante
da certeza do

não

i n e v i t á v e l,

espera - marrento como quem
chupou a buceta da virgem maria.

olha
pra garrafa meio doce da viúva laranja,
olha

pra ela, que, ávida, mete a boca na flute,
e bebe a viúva como quem bebe a vulva da virgem.

 

 

 

futuro

 

             no escuro
                há ele,
                 há ela
                  o furo.
                   no beco
                    há muro,
                     há homem
                        seguro,
                        há dama.
                       o homem,
                     tão seco,
                     no beco,
                       injeta
                        no furo,
                         da dama
                           futuro
                           de beco.
                        não duro
                        se vai.
                        e assim
                         futuro
                        tem pai,
                          tem mãe;
                           e mundo
                            tem muro.
                              maduro
                          aos doze,
                         futuro
                      quer muro
                   pra andar;
                  e mãe
               (que esconde),
             aos trinta,
           quer muro,
            futuro,
         pra amar.
            cansada,
            querendo
            futuro,
             a mãe
              se vai,
                se lança
                 se fode
                  se ama
                  no muro.
                  e mãe,
                querendo
               futuro,
             as mãos,
          os dedos,
         o emboço,
          enfia
         no furo.
        e goza
         e grita
          e pula
           e enluta
             futuro.


pelos muitos beijos     

(a todos os lábios da rossana)


lábios meus se metem
sobre si somente.
mentem-me! por mim,
beijam-se a pensar
meterem-se em ti.

seu medo é dormir
metendo-se em ti
(matando-se em sono)
e em beijo acordarem
matando-se em si.

 

 

a paridade nos ovos mexidos

 

enquanto meus ovos eu como mexidos,

no meio do fim dessa tarde de sol,

me lembro dos tantos cabelos bandidos,

de ti, pele branca, meu terno crisol,

em que misturava meus sais expelidos

que vão, do meu íntimo, rumo ao lençol.

 

 

transsexual

 

a vagina

the vagina

le vagin


carolfagia

 

como o gozo de deus
ao comer sua maria,
como o ódio da gata
ao comer sua cria,
por saber que você
eu jamais comeria;
e eu vomito o que sinto
por você que não mia.

como o ódio de deus
ao comer sua maria,
como o gozo da gata
ao comer sua cria,
por saber que você
eu jamais comeria;
e eu vomito o que sinto
por você não maria.

o ceder de seu filho,
através da mulher,
é o poder para tê-la
como a uma qualquer.
o ingerir de seu filho,
não como uma qualquer,
a torna mais amante
do que aquela mulher.

apesar dos exemplos
de paixões tão comuns,
você insiste em negar-me
seus minutos (alguns).
como vê, meu amor,
o amor não existe.
vai deixar-me comê-la?
ou há outro que insiste?

 

 

amor cortês

 

há vós e o muro;
há nós e o puro,
sempre, entreolhar.

os olhos, sãos,
são o primeiro
acerto feito.
acerto o tempo,
olho-vos (olhos
só vendo os olhos).

a certo tempo
canso-me, mas
têm, por prazer
futuro, as mãos
e os pés ficado
a ver-vos. olhos,

olham-vos olhos
e, enquanto olham,
molho-me as mãos.

 

 

 

olhos da rossana

 

verte o mar o verde dos seus olhos.

verde é o mar diante dos seus olhos.

vede, amar, o verde dos seus olhos

 

seus. azuis na noite fazem dia.

céus azuis brotam dos seus olhos,

céus azuis. vou, ando, voo-lhe aos olhos

seus azuis. o olhar em cinza finda.

 

cinza nos seus olhos é espelho

cinza. nus, seu olhos são espelho

sim do não. seus olhos: desespero,

sins, ação. cinza são seus olhos.

 

 

 

tristeza nova orleanesa (for colored only)

 

num canto,

sem voz,

ouvidos.

 

no entanto,

em vós,

ouvido,

 

o pranto

em nós

retido

 

é canto

de danos

vestido,

 

e encanto,

por anos

gemido.

 

 

 

no asfalto

 

manhã de asfalto seco em joão pessoa, cruzamento, quase epitácio, quase pessoa, o carinha tá lá no sinal, o sinal fecha, enche de carro, o carinha se prepara para pedir, mas um cara numa camioneta o surpreende pedindo-lhe antes. o cara olha pra ele lá de cima e pede: ei, mermão, cumé queu chego no extra?

 

o carinha, se lixando pras duas filas de carros que se formavam atrás da faixa branca pintada por sobre o asfalto, aleijado, movendo-se diagonalmente; rasteja entre dois carros; para ao lado e abaixo do cara e lhe diz: mermão, é fácin demai, véi. tu droba aqui e ali e quando tu vê tu vai tá mermo de frente pro extra. o cara agradece com a cabeça, acende um cigarro, vira-se pra frente e espera o sinal.

 

o carinha, dessa vez pela faixa de pedestre, enquanto volta pra sombra do poste, cujo primeiro terço está pintado de branco, sorri e reclama: cumé que o caba num sabe ir pro extra... fácin demai, véi.

 

ignorando, com uma solenidade jamais vista naquela esquina, os olhares refrigerados que lhe queriam dar moedas, encosta-se, preto, no poste quase branco, acende uma piola amarelenta que guardava para mais tarde e admira a paisagem de carros pretos e prata sobre o asfalto.

 

 

*

 

Fábio Cardoso nasceu em 1977 em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, Rio de Janeiro, mas reside na Paraíba. O autor teve poemas publicados na revista literária Cactus, no extinto portal português Ciberkiosqui, nos suplementos literários Correio das Artes e O Cão Chupando Manga e em uma exposição de murais de poesia contemporânea em língua portuguesa na Nova Zelândia.

*

 

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