FABRÍCIO CLEMENTE
THERE IS NONE LIKE YOU AMONG THE DANCERS
punhal ensolarado de sêmen
some certeiro
no olho do precipício
a dançarina é uma onda em rapina de rosa
prisma prazeres desprovidos de prumo
modula em morango movimento de asas
página de pulsações em que cravo minha carne
crisálida
no clitóris do castelo
clama o clima de clarões
dois jazzistas furiosos
navegam anorexia dos neurônios
casa de cadência colírio do caos
redentora da revolta
rola em cem planetas como cama de nuvem
balbucia balaústres de babel
me conduz – incandescências - ao cassino do cosmo
o dorso do daimon
rodopia sem remorso
na dádiva do delírio
COLAPSOS
As instâncias do insulto no azulejo;
entre as portas e o sangue destes dias.
Outras guelras em norte de solfejo,
quando a morte recorta as afasias.
Estes deuses datados nas azias
têm um jeito de périplo sem pejo;
desconfio que o reto, em realejo,
vai cuspir a mortalha de euforias.
Muito estranho, saber que nos armários
do horizonte, crispado, em corolários,
se desfez tanta tela. Desistência
das bromélias de brasa dos peixinhos
que arremessam os astros dos focinhos
contra aquário selado em sonolência
BANQUETE E VOMITÓRIO
o vento desfaz meu corpo em cubos de carne que rolam na direção das praças em prazer de imprecação
como estão caudalosas as cornucópias dos barracões
como se concentram os corações dos esquilos
como estão fraturadas estas frutas na fragrância
mictórios abrem as asas de zênite para os broxas imbricados no brilho dos trilhos
uma menina chamada javali engendrava um engradado de agruras no gramado do meu cérebro
coretos de diamante quebram os olhos dos pardais
estou agonizando em um quintal portátil onde um disco voador serpenteia meus impulsos numa rigidez que rejuvenesce mamilos
imperam nos passos punhetas apinhadas de atentados
o amor, nas cores das mortalhas, verde lilás, cor do número cinco e corvos nas tomadas elétricas talhadas nas vogais lisonjeadas pelas línguas do azulejo
meu delírio é um trator desembainhando um cadáver
hora de oração ordenando um horóscopo estendido sobre a bunda dos caldeirões
estou me matando num rabisco de neblina
esta boceta boquiaberta lapidando meus cílios de urso popular
um bar, uma barricada, uma goiaba cavalgada pelo vulcão de Baudelaire
piquete Possesso
suicidei teu braço manequim
quero ver agora as varizes do arado na costela da noite
um sapato fumegando sobre o número cinco
uma gargalhada de adágios
uma besta-fera encravada na unha das manhãs
a festa enfara e agora são as rãs me perseguindo enquanto caímos num esgoto do qual jamais nem jacinto nem gim poderá nos jantar
Eu estou com a menina que galopa minha ânsia
Anta Assíria no ácido alopático do jardim
estou saindo do útero da pedra
minha morte atravessa uma ponte onde Deus chora uma metralhadora de amoras
estou no canto esquerdo do seu gole
a vida está vazando muito
os hospitais são um carrinho de brinquedo na mão de uma banana bambina
os ralos do rubi mastigam minha amante e mentem sobre o destino dos subúrbios
penso que é o fim
penso que é uma forca de fezes este festim
penso que o formato da minha fala está fodido
antevejo uma escuridão maior que o mundo
enquanto as falanges gritam
AURORA AURORA AURORA AURORA AURORA AURORA AURORA AURORA
EXÍLIOS
amontoei todos os meus olhos sobre o corpo
do abismo
minha alma transmigrando
entre dedos de absinto
trincheiras de transe
destituídas num maremoto
de marasmos
manifesto rumor de ramo, arrabalde
nenhum poema nesta hora
trinta estradas atrasadas
o barco, a nuvem
sugerem gozo na garganta
do mais nulo dos numes
CAVALO DO CAOS
este que desfia tais demências
é meu hóspede, um demônio perdulário
ou serei eu, vapor de virulência
seu hóspede inconcluso
argamassa de medo amando morsas
gritaria gozando em sóis-fracassos
numa esquina, soberbo multiplica
espasmo outrora entrave e correnteza
subterrânea seringa que me singra
e sorve naufrágios frutificando fratricídios
APRISCO DE TARAS
1
canção de gume engastado
na guelra das galáxias
brinca de abrir brechas
no corpo da manhã
2
arquipélago pulsante perambula pelo poeta
mútua marcha de morangos
AS FENDAS DO MURO
Seus cabelos são uma matilha de casarões entre os ventos de meus dedos
Um lago fita infâncias nos seus lábios
Todas as janelas foragidas
Vejo um tango de icebergs nos carrilhões dos seus olhos
Aí certamente adormecem os nômades do basalto
Aí saltam girassóis de cachecol chamejante
Um martírio de morangos em suas orelhas
Os pedestres gritam greves azuis pelos seus poros
Uma lâmina estende mesquitas de néon pela explosão da avenida
Persiste um planeta de puro amor
Nos gestos de seu colar ancestral
Na máscara prismática do imprevisto
Na pele incandescente, na surdez das planícies
Este dia desliza pelo clamor sem raízes
Seu rosto é um pomar de tigres
Duas fontes de mãos dadas descem a calçada
Crivando as rotas com ritmo de rinoceronte
Há um jardim que afirma no fim de cada teu gesto
Que o ferrolho do infinito
Outorga-nos horóscopos
De puro orvalho
REFÉM DO ORVALHO
réstea de sol que lambe a mala
ABARROTADA.
vigor é ventania de vícios na volta.
espirais de desejo, evocações,
meus livros;
uns passos pelo pólen dos lapsos.
este peso no peito
é sabor de se despojar,
deixar pedaços nas pensões do tempo,
se sentir crivado de acréscimo
como relva
que se rumina em rapsódia
NOTURNO EM MAL MAIOR
esta noite tem também o seu encanto
se atira de todas as janelas
espalha seu corpo pela cidade
eu me sinto passar
nauta na nuvem do nada
um berro um beijo um poema
cravariam meus becos
no escárnio do espaço
VOCABULÁRIO DO VÁCUO
Dístico impossível do desterro
Corrosão sem carícia – as esquinas
Me puxam pela mão
Expirar de pombos nos cigarros que bufam as frases do fim
Minha dor que nenhuma esfera reproduz em pedra
Calos das calçadas em que passantes empalidecem
Piras pela testas do Tempo
Prolifera, Cidade, irrompe em mim como um sino açoitado
E relata o medo de tuas turbinas de carne
O sopro deste dia sustentará minhas vísceras
Colho hélices nos hemisférios destes olhares-catacumba
Aprendi a morrer em ti, nada esperando além do acorde das distâncias
Improviso anjos, abutres e bússolas no teu aprisco-desespero
Que vibra, vibra, pulsa no peito, perdido
Teus seios seriam sonatas de rosa e saliva
Minhas mãos emaranhadas cumprimentam o vento
As cariátides grasnam caindo sobre bancas de revista
Há sempre os carros e seus passos de dança
Há sempre um faquir falando dos fossos
Gárgulas se ajoelham e rezam aos passantes
São garotas de lágrima e numes de nojo
São risos sonhando nas fendas do espaço
Algum abandono gritando punhais
As vozes da avenida desembocam em meu cérebro
Faltando, sempre, em claustro-arbusto
Prossigo
O caldo do caos me conduz
OLHO AMADO
Agora, para manter-me no mundo será preciso assumir a sanha surda da soberba, o riso; escárnio assírio do palhaço sob a vertigem-guilhotina. Vejo os dias escorrerem pelo vão da janela, fechada, sobre a minha sugestão de alma, e as promessas assistem armários prenhes de pesadelo. Há sombras à espreita nos castelos que jazem latejando sobre os furúnculos da Terra-Mãe. Estou cansado, porém, somente persistindo na masturbação poderei alcançar tua imagem de atlas túrgido consubstanciando-me no sangue que tuas garras arrancaram do cetim que agasalha o planeta. Os arbustos, espiões do terremoto, confinam e confidenciam que há corvos coroando querubins enquanto a espada divina sai surtando numa busca galopante de gafanhotos rumo às têmporas do meu tempo.
ENQUANTO
meu passo despejado neste barco
que se chamava noite noutro ciclo
em horas aturdidas se corrompe
e pede aos deuses porres de pomares
pra me desintegrar vai mais distante
dizer que destra é cinza e goza em sal
estátua do meu sexo em jaula-riso
eu vago pela vinho atravessado
pelo punhal de parcos comprimidos
e a lua, esse arroubo de luz branca
que é vida se lustrando em língua-guizo
me diz que não quimera já fastio
mas fujo, fujo em credo de cratera
sem me saber ogivas lentas quedas
CONVALESCÊNCIA
O céu se esfarinha como as asas dos lençóis
Estamos destilando desde as docas do desejo
Um berro de alumínio Um leque de luas lapidado
Estamos conspirando contra cornucópias de colírios
E tomates de insulto em lepra flamejando
Nas horas de angústia contra os corredores
Desfiam-se os coices de outra alma morta
Tênis da primavera em janela de hospital
Aceno sanguíneo
Aceno sanguíneo
Ave de rapina
Cavalo Rosácea
Cavalo Rosácea
Pirata possesso
Ave-estilingue no brilho da manhã
Ave desavisada
Ave cansada
Vício vigor
Ave de lava
Com gládio de glande na gleba sem glosa
Os dias num carrinho de mão imantado de máscaras
Róseo resultado desta equação
Os dias, coração de acasos, culminando em lupa
Por sobre estes pomares de vísceras acesas
A casa porta e coronária
Rebocada
Pelo cuspe do colibri
ACOSSADO
as gengivas do céu
inflamam
sete cestos de lapso
A SOPA DO POETA
hospital sem curva
prenhe de presas
desprovidas de pronúncia
nenhum orvalho
no olhar
da colher
BAGATELAS
por só acreditar nessa bagagem bufa
e flácida tangente de ouriços mortos
deixei sob um açoite quatrocentas xícaras
vazadas pelo tempo num torpor de morsa
meus olhos são lagartos dissipados, aves
e com plantas carnívoras dissolvem veios
de ser tão espontâneo em pedra e luz sem berço
meus olhos são crianças na chacina-aurora
há cobras e gaivotas sobre um mar de múmias
e cruzes trituradas como um sol num saco
diriam minhas vísceras de clown, de lebre
que resta uma bandagem para lancha e tela
a vida que desaba qual cometa manco
não sabe se insinua se a nudez do rastro
é ruga de sonâmbulo em lã lacrado
assim não sendo espelho quando a chama inverte
a forca faz barulho, as borboletas bêbadas
disseram-me sedentas que calasse logo
então tive a visão de uma curva em riste
dizendo que os cachorros vertem meteoros
feito ânus de harpias, fulminadas, fixas
por uma língua rota de mercúrio e lama
O TERRÍVEL PROBLEMA DA AUTONOMIA DA ARTE NA SOCIEDADE BURGUESA
(Astro Acadêmico)
mas, puta que pariu, eu avisei
que não queria carmas no meu bife
assim até parece um esquife
ou carne de um bicho que não sei
se é muro, se é centauro, réu ou rei
se é corvo ou automóvel, caos de grife
se é útero ou clarão, nauta naif
só sei que não engulo assim sem lei
por isso, troque o prato. Traz migalhas!
garçom feito de ramos de trovão
e vê se traz também um coração
assado com o gelo das metralhas
sensato, repetindo como as gralhas
que a vida não tem mesmo solução
NO ENCALÇO DO ENCANTO
o sol, cenho sanguíneo ensaia a surra, o vômito
escamas de pantera de cimento armado
rumina várias ruas com revólver líquido
adentra corredores desde a coxa trêmula
de uma garota em trapo solfejando insights
dissipados lá longe numa testa-gruta
no pescoço dos moços tatuados, límpidos
travestis exauridos numa infância a leste
aplicaram certezas de uma ordem dália
assim não se despede de um sentido em réstea
o deus destas ausências com seu sangue-leque
os ossos operários da carpidação
trituram hemisférios com legado enfado
sacrificam estúpidos impérios, becos
com chuva de centauros alegando enlace
espera, corvo, foge, ou vai guiar lençóis
de lápides ou beijos sem valor de voz
sem cetro e sensação na sílaba de luz
do peito, se entrevisto, o lírio tão de pus
ZEZINHO AZIMUTE
porque bateram tanto no garoto?
agora ele resvala numa vinha
e limpa o cu da noite com caninha
sabendo que as laranjas rugem roto
por que descerebraram o canhoto
vagão para guarás em que se aninha
o lume mais sedento da doninha
já destronada, rã com dor de boto
que tanto de bromélias neste lusco-
fusco lancetado em voz de alface
que agora se estertora face a face
com o menino lento, traço etrusco
que arrasta sua vida num trem bala
caindo, dissidente, nesta vala
ELIXIR
estava quase morta. Da cabeça
pendia um edifício em ventania
seu busto bocejava cem enguias
agora estava infância e disse: Nada
mancou suas mandingas na calçada
menina mais sacana que uma pia
mais cheia de arco-íris que de harpias
os rebanhos de out-doors crivando a fada
rezaram pela calma quando o sexo
derramou automóveis emplumados
na Fissura de um bardo burocrata
e a Noite quando Estrondo foi convexo
destilou suicídios adestrados
gozando com gorjeio tecnocrata
CONTRA TUDO QUE NÃO FOR LOUCURA OU POESIA
“a bela adormecida do século vindouro
que esquecerá de certo a magia
contra tudo que não for loucura
ou poesia”
Jorge de Lima
A luz de draga e ponte dos destroços
das paredes cavalgando pela noite
dobrou a voz do mundo em riso-açoite
e torre decepada, nó de esboços.
Felizes, nos juntamos como estrume,
brincamos de ciranda e preparamos
a forja de uma flor para tapume
com outra vida, estrada, e outros ramos.
Sem se prender a nada além de ausências
lançamos lírios, louças. Em loucura
transamos o torpor das eloqüências:
sabemos já da cúpula mais dura.
Estudamos alquimia sob o sol
pois tudo que há de novo é a vertigem
e o busto da volúpia, em tal crisol,
vazado em céu de surto. Muito virgem.
O BUFO BATE BOCA COM O BAFÔMETRO
Eu gosto de beber falando de fronteiras
e de gritar poemas pela tarde atada
até que se libertem dos canis do nada
crepúsculos-canzis mordidos pelas freiras.
Arrotam canibais as fuças das torneiras,
tufões deste meu vômito na barricada
que não se sobrepõe, porém, ao pão da arcada
de périplos bebês brigando entre ladeiras.
Eu vejo girassóis sangrando em sanitários,
eu vejo os aviões de úteros trancados,
e quero que se fodam os desavisados
que acham que meu choro é choça de corsários,
pois saibam que as videiras desses vaticínios
são barcos de outros alcoóis, vento em sóis-escrínios.
REVISIONISMO
"amo o trote estrelado de tuas tripas”
Fausto Féretro: por ocasião de uma bebedeira de bólides que terminou com um swing sem sombra no centro do mundo.
o cara que gostava de arrombar
as portas mais de treva das burguesas
quando os maridos iam trabalhar
pra por o pão metálico na mesa
chamava-se Hermengardo: era um jaguar
que sempre no seu pau tinha surpresa
sabia retorcer em mil vilezas
bonecas de butique à luz do lar
a mão de sonetista abria em brasas
ciclones nesses corpos de aconchego
e quando elas clamavam mais meu nego!
ele lambia o ânus feito lava
e com punhal de carne constelava
o rabo desses bichos tão sem asas
SONETO BRANQUINHO
talvez por não haver o tal desejo
de construir a casa do caralho
com sílabas tão Vênus de cindidas
reflexionando foz de estar aí
por ser bem distraído como as léguas
sorvidas por carvalhos acrobatas
com elo à égua-leme de amianto
assim dissimulado ou potro péssimo
talvez por ser um tédio essa celeuma
do que não fede ou cheira: literário
esquema escriturário de exegeta
só forca especialista vegetal
a merda do poema vale a glória
da praga bem no seco e gargalhada |