UMA FOTOGRAFIA E UMA PINTURA
RAINER MARIA RILKE
Na foto, a figura sentada à escrivaninha sob o testemunho de três altos arcos. O porte magro e tímido daquele homem indeciso com os pés contrasta com a perfeição que a colunas e os arcos proporcionam. Captado num flagrante, o poeta metafísico olha para o chão, quase ao rés da soleira, e fixa ali uma atenção mínima, sabendo que as curvas governam o plano alto.
Por associação, vemos o espaldar amplo e aristocrático da cadeira sobrepor-se à mesa simples, onde os papéis se espalham. Talvez confira a precisão de uma palavra, uma idéia. À espreita de um verso, sabe ele que os arcos acima respiram junto das linhas humildes do assoalho. Palavras trafegam no espaço, dão-se como sugestões flutuantes ao correr do momento.
MAXIMILIANO, 1867
Uma cena de fuzilamento, mesmo sendo a execução de um imperador, guarda uma atmosfera prosaica quanto registrada pelas mãos do pintor. Há a curiosa distribuição espacial de uma área de tensão, com predominância para a tonalidade da terra. Os pontos mais claros pulsam não por acaso atrás das orelhas dos rostos perfilados. Há uma cena forte por explodir: aguarda-se.
No centro da atenção, gravitam os cabelos dos soldados e as armas apontadas, sem que se vejam as linhas das faces. Os torsos fardados e definidos fazem ângulo com os fuzis, que apontam para fora do quadro, miram o ponto imaginário a partir do qual se justifica a trama dos volumes e das cores.
Propositalmente o pintor escolheu um ponto de vista recuado, deixando a cena crua, sem sinal de majestade, nenhuma nitidez da expressão dos soldados. Agrava-se apenas uma espera sobre cores pardas circundadas por uma claridade tímida e sem lugar. O imperador vai morrer. O tiro está próximo, e o quadro de Manet recende a pólvora. |