a flora de andy warhol
estou encolhendo
recolhendo cacos de pétala
flor que se estremece toda para dentro
flor-mão
flor-vergonha
flor-flor
flor-sem-flor sem flor que se dá o prazer de fingir flor
fingir dor
falsidade da falsidade
atuação: brincadeira da brincadeira
estou encolhendo
os recolhidos
amar
dar-lhe uma flor VERDE
abraçar-lhe
dar-lhe um lhe VERDE
abra-lhe dá-lhe lhano lhe VERDE
estou colhendo
a flor lixo da madrugada
flores mendigos flores putas flores ladrões
flores coroas flores comunistas flores capitalistas
flores farristas flores bêbados flores classe média
flores drogados flores vagabundos flores novos gênios
flores doentes flores perdidos flores maníacos
isto tudo já é de conhecimento geral
então não sei porque vira verso (se fosse o inverso
quem sabe com flores virgens flores padres flores bunnies
flores fiéis flores cavalheiros flores mocinhas flores executivos
flores moderninhos flores asseados flores crianças
flores bailarinos flores formiguinhas flores floridas)
só algumas coisas são verdadeiras
e as verdades são imutavelmente versos
tudo que eu disse é verdade? não sei
e nem sei se uma pergunta, que não é nem mentira nem verdade,
pode virar verso - por isso o não sei logo depois
que é verdade
o que fazer?
sentar e gritar-colher um fazer.
canção popular
música
de rocha contra rocha
acorde monolítico
o vento sibila
cobras mutiladas
canção sem letra
melodia pétrea
haveria
ética
ótica do cético
quando sequer há carne
sussurrando
movimento?
língua do lince
o exército chinês desce dos céus montados
em ideogramas-dragões
desculpas de samurai enigmático
espírito da cobra-lagarto
dançando a cada hôi e
hái e
kun e
kan e
san
a saliva mais precisa que a espada
sun cortando o vento os cabelos
as gengivas
cada ímpeto de coragem
acima da própria altura
nas cortinas
partidas:
lembranças pós-batalha
da última
fumaça
de chá fresco.
o tecido do céu rasgado
pelos dentes de tubarão
cáries roubadas da empresária camelô
patroa me gritando alguma inverdade nublada
nos dias de carnaval banzeiros
se alguém tivesse coragem de transliterar o deserto
a chuva desistiria de nossa cidade
do descalabro dos solos
discos de areias como canais lacrimais
chupando e empurrando gases mortais
para exércitos nazistas de lepidópteros
inadestráveis novas eras sem chão
pisando novamente o carpete das nuvens
meus amigos robôs me transfundindo sangue
enquanto eu penso no neón de las vegas
nos pôsteres da grace kelly de meu bisavô
na diretora luciferina mastigando juventudes
nos cabeludos e fedorentos de sempre
nas pueris menininhas chafurdadas por paus por paus
nas lambisgoias genocidas cometendo crimes capitais
nos pixels furtando idealizações masturbatórias de virgens
no terrível cheiro podre que foge dos peixes pelintras nas vielas
nos dias em que fui metralhado por ressonâncias magnéticas
na pobre coleção de camisinhas que só aumentava a cada dia
nos infelizes pais que apostaram no espermatozoide errado
nos disfarces afrodisíacos das namoradas dos amigos (ou amigas)
nas leituras públicas de poemas gagos
no óleo que derramaram sobre os fetiches sexuais e também carbonizados
no sono tranquilo dos cães que em nada pensam além dos lagos repletos de patos
nos projéteis arrebentando portas até atingir sonâmbulos indefesos
na água de repente verde de repente negra de repente vermelha de repente vinho
nas flores que entram pelas janelas disfarçadas de percevejo
nos pêlos miseráveis pedindo moradia abrigo copo de água
nas sucessivas derrotas de um país da segunda divisão
no alienígena vestido de cozinheiro italiano
na sombra sobre o chão sobre os olhos dentro do copo de música
nos sonos vadios de capas de chuva órfãs
nos panfletos sobreviventes da terceira guerra
nas rachaduras vermelhas do subsolo enfermo
nos meteoritos carnavalescos explodindo fogo e purpurina
no suicídio-assassinato de um irmão xifópago
na cena do crime repleta de digitais e perfume francês
no vidro esmeralda observado por curiosos viageiros
no jogo de loteria vencido por quem apostou 12345
nas diástoles em câmera lenta dos filmes de horror naturalistas
no impulso do atleta sexagenário na janela do décimo quarto andar
na fúria com gosto de pimenta engolida pelos funcionários públicos
nos lixões movediços que engolem quinquilharias ex-tecnológicas e sonhos
nas sessões de psicanálise onde mentiras explicavam mentiras
na mesa velha que resguarda mãos vivas e mortas
na mosca que aprendeu breakdance e morreu tragicamente na escola de dança
nas tintas púrpuras que se misturam com as secreções purulentas
no inferno de java corrompendo os downloads que a solidão fazia
no suco de saliva que os bons homens aprenderam a suportar
na bochecha rubra do garoto que prescindiu da escola por causas nobres
nos yarbles de billy boy sendo despedaçados pelos droogs rivais
nos estupros imaginários que os homens faziam ao ver sugar kane cantando
na estrela decadente cuja luz passou a servir de mata-mosquito
no dicionário de termos inexistentes no qual a palavra eskysytysyun acaba de ser excluída
nas orelhas quasimodescas dos lutadores de vale-tudo
nos carrões luxuosos dos comerciais luxuosos na tevêzinha de oito polegadas
na mordida sem saliva que o administrador-cafetão pediu de sua secretária-prostituta
nos gritos de guerra do revolucionário macintosh contra a novidade
no som incivilizado que ecoa das metrópoles megalópoles hiperlópoles
na reencarnação zarathustriana da formiga assassinada em alguma chuva de verão
no resto de pano que o tato jurou esquecer entre suas memórias
no fôlego enfim cedendo para o ponto final
no transitório pedindo ajuda do infinito
na palavra encontrando o momento em que o pensar dorme.
***
solstício
segunda-feira
a luz desmaiou
sobre
os vivos
banhou
os feridos
atiçou
a inveja
dos mortos
terça-feira
ouviu-se o grito da areia:
"Apolo,
tua bravura
são meus olhos cortados"
quarta-feira
piscinas de óleo
corredores cheirando
a inseticida
varizes de cimento
espirrando cal escura
sentado sobre os telhados
o filho morto brilhando
com seus irmãos
cacos de vidro
quinta-feira
espera
espera
a recompensa
sempre
vem
como
milagre &
praga
egípcia
sexta-feira
esconderijos:
vamos procurar
os esconderijos
viagens viagens viagens
a gente pode ir ao outro lado
(do mundo da galáxia da vida)
ou ficar aqui
só fingindo
o fingimento sempre é a viagem mais comprida
sábado
hoje não tem sol
mas ainda há
movimento:
o calor
adora
humor negro
domingo
adeus bom dia
adeus boa tarde
adeus boa noite
com toda essa luz
reluzindo nas pelagens escuras
e queimando as retinas dos dormidos
é um dia perfeito
para brincar com a neve
de uma nova
eternidade.
***
fatal
o sapo
salta
no fato
o fato
falta
no retrato
o mato
corta
o salto
o salto
mata
o sapo
corta
o mato
da xota
enxota
o fato
do retrato
enforca
a língua
da morta
sufoca
o teu
peito fraco
eu
mato
o teu(
salta
o salto)
a tua
falta
ao meu |