ALUCINAÇÃO
Papai quando me olha vê em mim crisântemos,
Flores de Auschwitz, flores de Alcatraz, flores de
Waterloo,
flores de Guantánamo, flores libanesas, flores de lis,
Dos olhos saem bromélias,
Violetas penduradas nos cílios,
Os seios lacrimejando orquídeas,
Na boca, papai garante, brotam arnicas e raízes,
Jasmins crescem nos joelhos,
Os ouvidos escutam girassóis,
As unhas transformam-se em narcisos, espelhos claros em
que me contemplo,
Papai, de vez em quando, tira lírios dos meus cabelos
conta os trevos das minhas mãos e cultiva begônias
e lisianto no meu cérebro, e no dia-a-dia lança sementes
de flamingo nos meus sonhos,
É terrível admirar as dálias que caem dos narizes
imergindo em copos-de-leite que são os bicos dos seios,
Ainda mais saber, que papai fez os meus pés na infância
se tornarem gardênias de um quarto negro,
Hoje ele planta campanélas no meu fígado
E tulipas contornam o pescoço
Espalharam sobre meu corpo rosas de alucinação tantas e
tantas flores sobre a pele que não consigo contá-las
As abelhas pousam em minhas rosas e recolhem néctar dos
delírios, papai diz que a fonte que no meu intimo flui irá
um dia esgotar, mas de onde vem a chuva que molha o jardim
multicolorido, que agricultor tão nobre a conserva com
cuidado?
Sei que quando chegar a hora do galo as flores desbotarão
e meu pai não irá mais regá-las a esta hora as palavras
estarão secas e fenecidas e sobre a lápide escrito o nome
do botânico,
BERESHIT
Dentro de um cubo mora uma menina chamada
Espírito.
Espírito é uma menina de olhar melindre, quem a vê por não
raro se entristece, seus cabelos são o céu azul em chamas,
o rosto fino revela a delicadeza de sua alma
Pena que Espírito more sem nenhuma companhia. Mas ela, por
enquanto não tem consciência desta falta o que a torna
muito feliz.
Embora eu a veja como uma criança, Espírito julga-se um
ser formado, por que desde que o cubo existe, ela já
estava em seu interior. A impressão que tenho, portanto,
ao conhecer isto, é que os dois sejam interdependentes.
Entretanto uma dúvida me advém ao pensamento: Será ela uma
projeção física do cubo, ou é o cubo uma projeção
fantástica da mente de Espírito? é impossível saber com
exatidão. Por isto, às vezes, senão sempre, para não cair
no abismo da insanidade perene invento que Espírito quanto
o cubo são seres sempiternos e que um dia, num quando
impreciso os dois uniram-se involuntariamente.
Como um feto encolhido no útero materno,
assim ela está, suspensa no centro do cubo. O cubo gira na
velocidade da luz. Do lado externo o cubo mantém sua
dimensão fixa, contudo dentro, as paredes se afastam
ficando cada vez maiores. A luz alva que permeia o espaço
interno assume novas tonalidades à medida que as paredes
distanciam-se, indo do anil ao vermelho. Encantada com o
espectro colorido, a menina desce suavemente, até repousar
sobre o mar de luz.
Seus olhos tristes acompanham o vaivém das ondas
coloridas.
Quando a vejo me pergunto o porquê de seu olhar
melancólico e obscuro, como o poeta vendo-se no espelho.
Sempre está com este olhar silencioso. Na verdade seu
olhar não é a expressão de uma tranqüilidade metafísica, é
a manifestação discreta de sua essência vaga e etérea
(explica-se: falta algo para Espírito).
Sinto ela me olhar com a extensão plena de seu ser.
A menina estende a mão sobre o mar para sentir as ondas.
De repente surge do âmago do oceano uma mão de aspecto
disforme, como uma cera dissolvendo-se ao sol, agarrando-a
pelo pulso. A menina se assusta deixando escapar um grito
estridente. O cubo oscila. Antes mesmo dela se livrar, a
mão a puxa para dentro do oceano. Espírito mergulha
desfazendo-se em cada ponta de cristal.
(...)
Não há ondas na superfície do abismo... Todavia, um sopro
gélido movimenta-se no cubo. O interior do oceano
permanece translúcido com poucos espaços transversais de
luz. Do outro lado do cubo um grupo de crianças corre por
um densa floresta. Espírito está entre elas, sorrindo.
MORPHINA
Eu vi Anderson definhando diante do espelho
a pele em cera e pus escorrendo para o ralo
a tesoura cortando sua unha, a faca cega escurecendo seu
olho direito
como se fosse o
ferro partindo o galho
da árvore de Santa Cruz de nossa virgem santa que o velho
de bengala, o tempo
esqueceu a margem
do desespero misturado ao fel
Era a noite mais longa que ele conheceu, o pó fedia, a
estrada um véu cinza gritava seus passados
Para nossa Chevrolette ano 92 e o céu se abria numa
Cortina de Fumaça, estava ali o fim correndo
a um fundo negro como Taissa Carvalho, que no banco
traseiro não deseja conhecer o sorriso do palhaço
nascido
no Sheol
A viagem de nossas vidas, uma
escolha sem razão de existir um Heidegger abandonado ao
som de um violino
no caminho para o México
Mas eu me definhava na lembrança, Anderson
vai morrer? Que terra fresca de nuvens fragmentadas em
cores
de alegria irá querer meu corpo e alma sujo feito
lodo seco, ou há um quarto de terror onde eu vá dormir
meus medos de infância ?
Sim, Anderson vai morrer e que gesto terno e cálido feito
fogo na névoa irá queimar seu peito em chamas frias e
densas para livrá-lo do silêncio bramânico na roda de
sansara ?
Nem a língua de Taissa, a língua de Morena, ele
está na boca
do inferno, agora é hora de beber um pouco de vodca,
coca-cola ir ao Mcdonalds e sumir
fumar um
cigarro na companhia de Ray Manzarek e descer até o fundo
mais fundo do abismo mais fundo que projeta minha
consciência para a superfície televisiva do espelho
que está fora e não permite ver a face
desfigurada amarela para a
putrefação lenta e suave
a morte
morte
Oh, Deus, estou pronto para ir ao encontro do caminho,
mergulhar no oceano de serafins ao lado dos garotos mais
perfeitos lançado entre os mundos esquecidos em busca da
flor, a flor de carmesim
Estou em Anderson diluindo numa carne podre
O que vai acontecer depois de Anderson morrer
O que você diz Gustavo, será que sabe o que é morrer?
Taissa, sabe o que é morrer ? E você e você e você e você
e você?
Já não vejo Anderson no espelho
É calmo o túmulo em que apodreço, na cama morna e úmida de
Mateus a sensação de seu caralho no meu
antes que eu perca a lucidez do gozo, antes que toda a
dose que injetei me arraste aquelas águas turvas de
Celina
Meu último suspiro, a salvação se aproxima, eu choro a dor
secreta no colo de mãe de Naira e desapareço no silêncio
de seu canto tropical
Espirito, não me leve de mim a imagem sólida do ar
Eu quero viver esta fuga do tempo e encontrar o céu onde
os anjos me mostrem suas orgias sagradas
Ainda há tempo nas planícies de Morpheus, Eu vou sonhar o
paraíso perdido e me entorpecer de toda virtude
grega, da memória dos santos filósofos, da glória dos
heróis, daquele pedaço de maçã que minha mãe deu a minha
meiga irmã quando éramos pequenos inocentes do erro de
Deus
Ai vem o Nirvana invadir o meu castelo de areia, eu
já não estou mais em Anderson igual a sombra que foge
do sol absorvendo o espaço
Nas matizes de delirium do universo de Neil Gaiman,
nesta metamorfose cruel que me assola devagar
indo nas mãos do psicanalista a
beira de cair para sempre e sempre no canto branco de um
hospício ao lado
de soldados que não tem um verdadeiro
nome
como minha boca naquela boca que na minha fazia gemido
feito aço cortando o aço
É meu último suspiro, a voz baixa atravessa a casa, eu vou
indo no último olhar daquele homem que com uma agulha na
carne me atravessa
ESTAÇÃO DAS BORBOLETAS
E o mundo está esquizofrênico como minha
mãe
É a loucura percorrendo a atmosfera, Vejam esta mão
trêmula, o corpo convulsionando dizeres,
a eletricidade penetrando a carne feito bactéria, o
coração pulsando na velocidade dum trem bala, É a loucura
percorrendo a atmosfera!
Ela caindo na cama babando sangue e água como um Cristo
perfurado pela lança, e meu pai desesperado a procura do
médico, para onde vamos mãe, é o curso da história que nos
arrasta aquela porta que se abre para uma sala branca onde
você deitará seus gritos insanos
O espetáculo começa da loucura percorrendo a atmosfera!
Minha mãe clamando a razão que a livre destas cadeias que
a prendem no calabouço da inconsciência
Muitos lírios envolta de sua cabeça, uma corda a puxa para
um lado, uma corda a puxa para um lado, a mente possuída
desejando subir a superfície do oceano de águas
turbulentas, o espirito passeia sobre o abismo cai uma
pluma sobre as ondas e se afoga, Maria tira borboletas da
cabeça todas coloridas como as que saem da boca de
Sandman
Bulas de remédio para ela, que na angústia da
existência suplica contra a vontade da matéria que os
filhos a livrem da matéria
E quando a noite vem nas asas dos abutres a criança
adormece, acorrentada aos quatro cantos do planeta
ela gira no redemoinho de dor e felicidade, o rosto
voltado para os céus fitando a imagem sombria de Deus,
bebo café com amitrilina e vomito lâminas de pureza,
E outra vez o espetáculo começa da loucura percorrendo a
atmosfera! A alma de minha mãe trespassando o espaço, o
corpo se chocando contra os muros brancos da fortaleza da
ciência,
Lágrimas geladas descendo a pele em direção a terra, o
consolo obscurecido pela sombra, eu e minha mãe a sós no
quarto contando as rosas espalhadas pelo quarto rosas e
azuis,
Maria desaparece de meu olhos castanhos como os seus na
tempestade, o perfume mistura-se ao incenso de
canela, o mundo a chama para seu útero colorido, nunca
mais vi seu rosto, nunca mais senti seu corpo quente no
outono, Maria se foi e me deixou saudades,
E o mundo passa comigo na estação das borboletas,
Na palma da mão de Pawa
eu respirei o yãkoãna
para ser o xamã dos sete espíritos
o oráculo que caminha entre os mundos
que invoca no meio do fogo os deuses antigos, a ave
sagrada e o tigre
Toquem as flautas, toquem os tambores
o Rei-xamã irá dançar
ouvindo a canção dos espíritos em volta da serpente
um verdadeiro xapirimu possesso