ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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GEORGE ORTEYGA

 


 

ALUCINAÇÃO

Papai quando me olha vê em mim crisântemos,
Flores de Auschwitz, flores de Alcatraz, flores de Waterloo,
flores de Guantánamo, flores libanesas, flores de lis,
Dos olhos saem bromélias,
Violetas penduradas nos cílios,
Os seios lacrimejando orquídeas,
Na boca, papai garante, brotam arnicas e raízes,
Jasmins crescem nos joelhos,
Os ouvidos escutam girassóis,
As unhas transformam-se em narcisos, espelhos claros em que me contemplo,
Papai, de vez em quando, tira lírios dos meus cabelos conta os trevos das minhas mãos e cultiva begônias
e lisianto no meu cérebro, e no dia-a-dia lança sementes de flamingo nos meus sonhos,
É terrível admirar as dálias que caem dos narizes imergindo em copos-de-leite que são os bicos dos seios,
Ainda mais saber, que papai fez os meus pés  na infância se tornarem gardênias de um quarto negro,
Hoje ele planta campanélas no meu fígado
E tulipas contornam o pescoço
Espalharam sobre meu corpo rosas de alucinação tantas e tantas flores sobre a pele que não consigo contá-las
As abelhas pousam em minhas rosas e recolhem néctar dos delírios, papai diz que a fonte que no meu intimo flui irá um dia esgotar, mas de onde vem a chuva que molha o jardim multicolorido, que agricultor tão nobre a conserva com cuidado?
Sei que quando chegar a hora do galo as flores desbotarão e meu pai  não irá mais regá-las a esta hora as palavras estarão secas e fenecidas e sobre a lápide escrito o nome do botânico,

  

BERESHIT

Dentro de um cubo mora uma menina chamada Espírito.
Espírito é uma menina de olhar melindre, quem a vê por não raro se entristece, seus cabelos são o céu azul em chamas, o rosto fino revela a delicadeza de sua alma
Pena que Espírito more sem nenhuma companhia. Mas ela, por enquanto não tem consciência desta falta o que a torna muito feliz.
Embora eu a veja como uma criança, Espírito julga-se um ser formado, por que desde que o cubo existe, ela já estava em seu interior. A impressão que tenho, portanto, ao conhecer isto, é que os dois sejam interdependentes. Entretanto uma dúvida me advém ao pensamento: Será ela uma projeção física do cubo, ou é o cubo uma projeção fantástica da mente de Espírito? é impossível saber com exatidão. Por isto, às vezes, senão sempre, para não cair no abismo da insanidade perene invento que Espírito quanto o cubo são seres sempiternos e que um dia, num quando impreciso os dois uniram-se involuntariamente.
Como um feto encolhido no útero materno, assim ela está, suspensa no centro do cubo. O cubo gira na velocidade da luz. Do lado externo o cubo mantém sua dimensão fixa, contudo dentro, as paredes se afastam ficando cada vez maiores. A luz alva que permeia o espaço interno assume novas tonalidades à medida que as paredes distanciam-se, indo do anil ao vermelho. Encantada com o espectro colorido, a menina desce suavemente, até repousar sobre o mar de luz.
Seus olhos tristes acompanham o vaivém das ondas coloridas.
Quando a vejo me pergunto o porquê de seu olhar melancólico e obscuro, como o poeta vendo-se no espelho.
Sempre está com este olhar silencioso. Na verdade seu olhar não é a expressão de uma tranqüilidade metafísica, é a manifestação discreta de sua essência vaga e etérea (explica-se: falta algo para Espírito).
Sinto ela me olhar com a extensão plena de seu ser.
A menina estende a mão sobre o mar para sentir as ondas. De repente surge do âmago do oceano uma mão de aspecto disforme, como uma cera dissolvendo-se ao sol, agarrando-a pelo pulso. A menina se assusta deixando escapar um grito estridente. O cubo oscila. Antes mesmo dela se livrar, a mão a puxa para dentro do oceano. Espírito mergulha desfazendo-se em cada ponta de cristal.
(...)
Não há ondas na superfície do abismo... Todavia, um sopro gélido movimenta-se no cubo. O interior do oceano permanece translúcido com poucos espaços transversais de luz. Do outro lado do cubo um grupo de crianças corre por um densa floresta. Espírito está entre elas, sorrindo.

 

MORPHINA

Eu vi Anderson definhando diante do espelho
a pele em cera e pus escorrendo para o ralo
a tesoura cortando sua unha, a faca cega escurecendo seu olho direito
                                          como se fosse o ferro partindo o galho
da árvore de Santa Cruz de nossa virgem santa que o velho de bengala, o tempo
                                        esqueceu a margem do desespero misturado ao fel
Era a noite mais longa que ele conheceu, o pó fedia, a estrada um véu cinza gritava seus passados
Para nossa Chevrolette ano 92 e o céu se abria numa Cortina de Fumaça, estava ali o fim correndo
a um fundo negro como Taissa Carvalho, que no banco traseiro não deseja conhecer o sorriso do palhaço
                                                                                                                        nascido
no
Sheol
A viagem de nossas vidas, uma escolha sem razão de existir um Heidegger abandonado ao som de um violino
                                                                                                no caminho para o México

Mas eu me definhava na lembrança, Anderson vai morrer? Que terra fresca de nuvens fragmentadas em cores
         de alegria irá querer meu corpo e alma sujo feito lodo seco, ou há um quarto de terror onde eu vá dormir
         meus medos de infância ?
 Sim, Anderson vai morrer e que gesto terno e cálido feito fogo na névoa irá queimar seu peito em chamas frias e densas para livrá-lo do silêncio bramânico na roda de sansara ?
                                                           Nem a língua de Taissa, a língua de Morena, ele
está na boca
do inferno, agora é hora de beber um pouco de vodca, coca-cola ir ao Mcdonalds e sumir
                                               fumar um cigarro na companhia de Ray Manzarek e descer até o fundo mais fundo do abismo mais fundo que projeta minha consciência para a superfície televisiva do espelho
                                                                                          que está fora e não permite ver a face
                                                                                           desfigurada amarela para a
putrefação lenta e suave
a morte
   morte
Oh, Deus, estou pronto para ir ao encontro do caminho, mergulhar no oceano de serafins ao lado dos garotos mais perfeitos lançado entre os mundos esquecidos em busca da flor, a flor de carmesim
Estou em Anderson diluindo numa carne podre
O que vai acontecer depois de Anderson morrer
O que você diz Gustavo, será que sabe o que é morrer? Taissa, sabe o que é morrer ? E você e você e você e você e você? 
Já não vejo Anderson no espelho
É calmo o túmulo em que apodreço, na cama morna e úmida de Mateus a sensação de seu caralho no meu
                                              antes que eu perca a lucidez do gozo, antes que toda a
                                              dose que injetei me arraste aquelas águas turvas de             
                                              Celina
Meu último suspiro, a salvação se aproxima, eu choro a dor secreta no colo de mãe de Naira e desapareço no silêncio de seu canto tropical
Espirito, não me leve de mim a imagem sólida do ar
Eu quero viver esta fuga do tempo e encontrar o céu onde os anjos me mostrem suas orgias sagradas
Ainda há tempo nas planícies de Morpheus, Eu vou sonhar o paraíso perdido e me entorpecer de toda virtude

 grega, da memória dos santos filósofos, da glória dos heróis, daquele pedaço de maçã que minha mãe deu a minha meiga irmã quando éramos pequenos inocentes do erro de Deus

Ai vem o Nirvana invadir o meu castelo de areia, eu já não estou mais em Anderson igual a sombra que foge
   do sol absorvendo o espaço
Nas matizes de delirium do universo de Neil Gaiman, nesta metamorfose cruel que me assola devagar indo                            nas mãos do psicanalista a beira de cair para sempre e sempre no canto branco de um hospício ao lado
                                                    
                                                        de soldados que não tem um verdadeiro nome

                                                                                  como minha boca naquela boca que na minha fazia gemido

                                                                                                                      feito aço cortando o aço
É meu último suspiro, a voz baixa atravessa a casa, eu vou indo no último olhar daquele homem que com uma agulha na carne me atravessa

                                                           

ESTAÇÃO DAS BORBOLETAS

E o mundo está esquizofrênico como minha mãe
É a loucura percorrendo a atmosfera, Vejam esta mão trêmula, o corpo  convulsionando dizeres,
a eletricidade penetrando a carne feito bactéria, o coração pulsando na velocidade dum trem bala, É a loucura percorrendo a atmosfera!
Ela caindo na cama babando sangue e água como um Cristo perfurado pela lança, e meu pai desesperado a procura do médico, para onde vamos mãe, é o curso da história que nos arrasta aquela porta que se abre para uma sala branca onde você deitará seus gritos insanos
O espetáculo começa da loucura percorrendo a atmosfera! Minha mãe clamando a razão que a livre destas cadeias que a prendem no calabouço da inconsciência
Muitos lírios envolta de sua cabeça, uma corda a puxa para um lado, uma corda a puxa para um lado, a mente possuída desejando subir a superfície do oceano de águas turbulentas, o espirito passeia sobre o abismo cai uma pluma sobre as ondas e se afoga, Maria tira borboletas da cabeça todas coloridas como as que saem da boca de Sandman
Bulas de remédio para ela, que na angústia da existência suplica contra a vontade da matéria que os filhos a livrem da matéria
E quando a noite  vem nas asas dos abutres a criança adormece, acorrentada aos quatro cantos do planeta
ela gira no redemoinho de dor e felicidade, o rosto voltado para os céus fitando a imagem sombria de Deus,
bebo café com amitrilina e vomito lâminas de pureza,
E outra vez o espetáculo começa da loucura percorrendo a atmosfera! A alma de minha mãe trespassando o espaço, o corpo se chocando contra os muros brancos da fortaleza da ciência,
Lágrimas geladas descendo a pele em direção a terra, o consolo obscurecido pela sombra, eu e minha mãe a sós no quarto contando as rosas espalhadas pelo quarto rosas e  azuis,
Maria desaparece de meu olhos castanhos como os seus na tempestade, o perfume mistura-se ao incenso de
canela, o mundo a chama para seu útero colorido, nunca mais vi seu rosto, nunca mais senti seu corpo quente no outono, Maria se foi e me deixou saudades,
E o mundo passa comigo na estação das borboletas,

 

Na palma da mão de Pawa

eu respirei o yãkoãna

para ser o xamã dos sete espíritos

o oráculo que caminha entre os mundos

que invoca no meio do fogo os deuses antigos, a ave sagrada e o tigre
Toquem as flautas, toquem os tambores

o Rei-xamã irá dançar
ouvindo a canção dos espíritos em volta da serpente

um verdadeiro xapirimu possesso



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George Orteyga nasceu em 1981, no Rio e Janeiro, mas reside hoje em Niterói, onde estuda Letras na Universidade Estácio de Sá. Publica no blog escritosdo-exilio, www.escritosdo-exilio.blogspot.com.

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