ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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HAYDÉE SILBERSTEIN


 

PENSAR SANGRA

de tudo que vivi
oscilando entre dourados e negros tons
- labirintos de medos insanos
se de tudo o que vivi
eu consegui reter
o simples aroma de um fruto silvestre
este aroma e este fruto serão seus


* * *

Nós vivos somos como os abutres
comemos carne em decomposição

* * *

sou a poeta que retrata
borboletas de asas machucadas


* * *


FOME

na caverna, guloso,
Nietzsche engole repolhos

 


POEMA PARA CLARICE LISPECTOR

espelho em noite fria
mata o poema
espelhos
sem ouvidos
reflete
a falta de opções

 


MATURIDADE

a nudez total não nos trará a maturidade
enquanto maiúsculas gemerem na penumbra
eu ouvia alguém falar em Stekel
e pensava por que o leite da criança não fervia
pitonisa de olhos quadradoss
sei que uma noite é suficiente
para que
se instale
a loucura
mas eu ouvia alguém falar em Stekel
e os lábios dos outros já soltavam a tarde
as vítimas tombavam nos sofás
e estavam conscias de seu desempenho
e eu perguntava se                  maturidade seria isto
este deixar se levar pelos lábios
sempre pelos lábios
mas se falava em Stekel
eu observava as caretas dos pavões
se pudesse observaria a trajetória das estrelas
ou o cio dos gatos no telhado
sim uma noite seria o suficiente
para enlaçar a loucura com carinho
sem medo com amizade
e até com zelo
mas o leite não fervia e a criança chorava
já não se falava em Stekel
eu pensava em adjetivos
na necessidade dos mesmos
no meu próximo poema
que não teria forma de poema
nem ritmo de poema
mas forma de loucura
e ritmo de loucura
uma noite é suficiente
para abarcar
toda demência do mundo
a criança tomou o seu leite
o sono pesou nas pálpebras dos outros
eu me observava
e observava minha loucura descrevendo círculos no ar
fui para casa
a noite envolveu o travesseiro
e não dormi

 

*


Haydée Silberstein é poeta, estudiosa de astrologia e do tarô. Publicou o livro de poemas Clava.

 

*

 

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