ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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HÉLIO NERI

 

 

 

 

A MALDIÇÃO DOS DEUSES

 

hoje acordei e percebi, em meio a este sol escaldante e céu inacreditavelmente límpido, tudo a minha volta com um ar de não sei o quê, o mundo preocupado apenas em girar, as pessoas (como sempre), com o próprio umbigo! dúvidas cercando minha cabeça que num dado momento (ou de alguma forma), poderia a poesia me transformar (sem notar que já estava, estivera sempre), as palavras, sintaxes, versos, agora aliados, quer dizer: sempre – ferramentas e munições, exércitos de letras, destruir e construir mundos à minha maneira, minha exímia relação com a vida, legítima, porque quando com a poesia, mais próximo da realidade, mais dentro da vida, não mundo qualquer, imaginário, ou uma fuga, mas para o centro dos interstícios de tudo que pulsa, respira  possui coração, assim estigmatizado a esta prática de fascínio, como quem acende uma vida dentro da própria vida quando compõe um poema ou lê: sol na madrugada, luz no fim, meio e no começo do túnel, pouco importa! antes de mais nada e mais que tudo a poesia abre e fecha portas

 

 

HÉLIO

 

labaredas lambem

com intensa voracidade

a luz, o sonho,

desenho do que:

impossível, só pôde

acontecer por conta da

distinta e excelência

generosidade da sua

existência, aquilo que,

travou, buscou ar em

território sem ar

oxigênio negado,

e no entanto, alcançado

fez, ficou

ficaria se não fosse:

– digo, não obra do destino,

acaso, nem do descuido

(apenas),

porque o que permanece,

o que resiste,

mesmo que por um átimo

ou um extenso período

(sem qualquer menção

de justificativa

ou conformismo),

acaba

tal qual qualquer coisa:

sonhos, fortunas,

eu, o Hélio, definitivamente

tudo acaba

 

 

 

FATAL

 

é fatal a vida

: esta que se sustenta

em carcaças e

assiste invariável

à própria

transitoriedade

ou qualquer

uma ou outra

que é permitida viver

é fatal a vida

em todos os aspectos

desdobramentos

seus deslumbres

intempéries

o mundo é o que

inventa nossas cabeças

mas nem de longe

semelhante com

a de um imenso

universo

um particular

para cada um

nossos caprichos

coisinhas

ínfimos céus

e paraísos

deleites restringidos

nossos sonhos

um dia talvez

possamos encontrar

alguma porta

ou saída

então poderemos

sair de nossos

pequeninos mundos

e quem sabe

encontrar

algum outro mundo

: novos mundos

talvez um mais imenso

mais universal

 

 

 

IMAGEM & SEMELHANÇA

 

acostumei-me à

minha imagem

: dentro desse quadro

da forma que aí está

apresentada a todos

e a você também

gosto do formato

das cores, das coisas

envolta das coisas –

às vezes admiro-a tanto

que prefiro ela, a mim

mesmo não sendo eu

: esta que me representa

tão bem

já conciliei isso tudo

convivo naturalmente

todos os dias o

assédio da minha versão

em pixels – minha

ficção vida minha vitrine

estou à mostra

bonito, polido

provavelmente mais

elegante que tudo

mais ainda do que

a realidade permite

 

 

 

VER – PALAVRAS

 

ver

todas as

palavras,

em Claudia, em

Paulo, João,

Cecília, Carlos,

em todas as coisas,

nomes, línguas,

idiomas –

incêndio incontrolável

consumindo tudo

e todos

se desconhecem a causa,

a razão, o motivo,

talvez (dentre tantos)

algum indício

: vertigem, antes de

quedar-se, paralisado,

ao pé da fala

sucumbido, fascinado,

entregue ao seu

suplício e afago,

assim: eu

aqui cercado

por todas as vozes

de todos os lados

 

 

*

 

Hélio Neri nasceu em Santo André (SP), em 1973. Publicou as plaquetes Avulsos (2002), Edição do Autor, Sombra das Coisas (2003), Registro (2005), Febre (2006), Alpharrabio Edições e os livros de poemas Anomalia (2007) e Palavra Insubordinada (2011), Alpharrabio Edições. Contato: helioneripoesia@hotmail.com.

 

 

 Leia outros poemas de Hélio Néri.

*

 

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