A MALDIÇÃO DOS DEUSES
hoje acordei e percebi, em meio a este sol escaldante e céu inacreditavelmente límpido, tudo a minha volta com um ar de não sei o quê, o mundo preocupado apenas em girar, as pessoas (como sempre), com o próprio umbigo! dúvidas cercando minha cabeça que num dado momento (ou de alguma forma), poderia a poesia me transformar (sem notar que já estava, estivera sempre), as palavras, sintaxes, versos, agora aliados, quer dizer: sempre – ferramentas e munições, exércitos de letras, destruir e construir mundos à minha maneira, minha exímia relação com a vida, legítima, porque quando com a poesia, mais próximo da realidade, mais dentro da vida, não mundo qualquer, imaginário, ou uma fuga, mas para o centro dos interstícios de tudo que pulsa, respira possui coração, assim estigmatizado a esta prática de fascínio, como quem acende uma vida dentro da própria vida quando compõe um poema ou lê: sol na madrugada, luz no fim, meio e no começo do túnel, pouco importa! antes de mais nada e mais que tudo a poesia abre e fecha portas
HÉLIO
labaredas lambem
com intensa voracidade
a luz, o sonho,
desenho do que:
impossível, só pôde
acontecer por conta da
distinta e excelência
generosidade da sua
existência, aquilo que,
travou, buscou ar em
território sem ar
oxigênio negado,
e no entanto, alcançado
fez, ficou
ficaria se não fosse:
– digo, não obra do destino,
acaso, nem do descuido
(apenas),
porque o que permanece,
o que resiste,
mesmo que por um átimo
ou um extenso período
(sem qualquer menção
de justificativa
ou conformismo),
acaba
tal qual qualquer coisa:
sonhos, fortunas,
eu, o Hélio, definitivamente
tudo acaba
FATAL
é fatal a vida
: esta que se sustenta
em carcaças e
assiste invariável
à própria
transitoriedade
ou qualquer
uma ou outra
que é permitida viver
é fatal a vida
em todos os aspectos
desdobramentos
seus deslumbres
intempéries
o mundo é o que
inventa nossas cabeças
mas nem de longe
semelhante com
a de um imenso
universo
um particular
para cada um
nossos caprichos
coisinhas
ínfimos céus
e paraísos
deleites restringidos
nossos sonhos
um dia talvez
possamos encontrar
alguma porta
ou saída
então poderemos
sair de nossos
pequeninos mundos
e quem sabe
encontrar
algum outro mundo
: novos mundos
talvez um mais imenso
mais universal
IMAGEM & SEMELHANÇA
acostumei-me à
minha imagem
: dentro desse quadro
da forma que aí está
apresentada a todos
e a você também
gosto do formato
das cores, das coisas
envolta das coisas –
às vezes admiro-a tanto
que prefiro ela, a mim
mesmo não sendo eu
: esta que me representa
tão bem
já conciliei isso tudo
convivo naturalmente
todos os dias o
assédio da minha versão
em pixels – minha
ficção vida minha vitrine
estou à mostra
bonito, polido
provavelmente mais
elegante que tudo
mais ainda do que
a realidade permite
VER – PALAVRAS
ver
todas as
palavras,
em Claudia, em
Paulo, João,
Cecília, Carlos,
em todas as coisas,
nomes, línguas,
idiomas –
incêndio incontrolável
consumindo tudo
e todos
se desconhecem a causa,
a razão, o motivo,
talvez (dentre tantos)
algum indício
: vertigem, antes de
quedar-se, paralisado,
ao pé da fala
sucumbido, fascinado,
entregue ao seu
suplício e afago,
assim: eu
aqui cercado
por todas as vozes
de todos os lados |