ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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IANÊ RUBENS DE MELLO

 

 

 

 

A OUTRA EM MIM

 

Será que sou eu mesma

ou será outra?

Essa que em mim habita

e me tira do sério

Que perde o controle e grita

Que faz um quê de mistério

Que agita as mãos no ar

tentando algo alcançar

que nem mesmo sei o que é

Que tudo quer...

e nada tem

Que vai muito mais além

em seu silêncio de morte

Que maldiz a própria sorte

e nem mesmo quer falar

Que insatisfeita resmunga

achando a vida um saco

Que não para de bradar

que o cansaço a venceu

 

Será que é mesmo outra

ou será que sou eu ?

 

 

 

AUSÊNCIA

 

Amanheço em tons e sons

soturnos

quase inaudíveis

O sol de faz presente

nas frestas da janela

entraberta...

Vazio da angústia

da espera

Solidão

Não...

...quero me bastar

Aprender a ser só

Mas meu corpo

clama

a sua presença

Minha alma

chama

pelo seu terno amor

Sou sua

e de mim

me perco

e me refaço

em sua presença

em luz

em sol

em cor.

 

 

O ESTRANGEIRO

 

"Outrora eu era daqui,

e hoje regresso estrangeiro,

forasteiro do que vejo e ouço,

velho de mim.

Já vi tudo, ainda o que nunca vi,

nem o que nunca verei.

Eu reinei no que nunca fui."

(Do Livro "Desassossego" Fernando Pessoa)

 

Um estrangeiro em seu próprio país. Esse eu sou.

Olho à  minha volta e não reconheço o que vejo.

Partes abstratas fora de mim.

Estrangeiras.

Incompreensíveis.

Meus ouvidos escutam uma língua que não compreendo.

Um torpor me invade e corroi por dentro essa angústia.

Sem pátria, sem rumo, sem língua, sem chão, sem paradeiro.

Estrangeiro eu sou em meu próprio país.

Quando solto o verbo, se grito, se berro, minha voz se faz calar.

Dialeto estranho, incompreensível e insano.

Louco sou, porém poeta.

Da vida escrevo o que sinto e nem sempre é o que vejo,

apenas pressinto.

O belo clamor que urge da sonoridade da fala, em mim,

é o que cala.

E o coração sangra aberto em ferida.

Tenta em vão cicatrizar dor tão profundamente doída.

Dessa tênue linha divisória a que  chamamos... VIDA.

 

 

O HUMANO

 

E eu ressurjo com o vento

por detrás das verdes folhagens

e me contorço em sons e vibrações

inaudíveis aos ouvidos humanos

e me refaço em cores sublimes

e me transporto em nuvens

de puro algodão...

Eu, que sou massa esférica

ponte que atravessa o rio

rio que corre

mar que não se navega

Eu que sou pura e simples

perdida na poeira cósmica

invisível e fantasmagórica

Súplica contida no espanto

Eu sou o Espanto

que corre na mármore frio

e que se abriga no gelo

Sou a ponta do iceberg

Sou branca e pálida

Me desfaço em sons

Me perco em tons

Sutilmente me alastro

Como quem fere

a própria carne

e sangra de dor.

 

 

O Humano II

 

E eu me converto em luz

na escuridão faz-se o grito

Arcaico , primitivo,

urro de transmutação

E eu me transformo em ar

Plano sobre os campos

leve, volátil, rarefeito

Alcanço novas esferas

Perene, tranquilo...

num reconhecimento íntimo

do âmago do ser

Ser complexo e simples

Dual e par

Sem sentido, desconexo

Harmônico e belo

Parideiro de emoções

Conflituoso e conflitante

Espasmo e contração

Prematuro na essência

Renascido no amor

Ungido no pecado

Santo e profano

Misto de loucura e sanidade

Ladeado de saudade

Caçador de si.

 

 

O Humano III

 

E eu transmuto a dor

num espasmo

Da sombra faz-se a luz

O corpo a gemer prazeres

Amarras soltas

aberta a prisão

Prisioneiro corpo

fragmentado pelos anos

pelos amores vãos

A alma flutua leve

no corpo liquefeito

Suores e fluidos

num rio caudaloso

prazeres de amar

cantares do amor

Num dedilhar de toques

sutis e intensos

Em sussurros inaudíveis

em gritos de gozo

ressurge a mulher

Alva e pura

como a água

que em seu corpo brota

Fonte fecunda

multifacetada...

em virgens escondida

Esplendor de anunciação.

 

 

O HUMANO IV

 

E eu me enrodilho em pernas

em braços e amores

Me perco em sonhos, visões, carícias

E me trasporto  ao sublime

num ato de amor

Enredo por caminhos escondidos

por jardins florescentes

e céu de anil

Em nuvens de algodão me deito

extasiada e completa

Mulher que sou

Em meus olhos

rebrilham os seus

em arco-íris de paixão

Minha boca que se cala

num doce beijo

de mel e hortelã

Sou sua

e cada vez mais minha

Em você me reencontro

Inteira, intensa, verdadeira.

 

 

O POEMA

 

Poema

quando surges

urges urgências

imediatas

és apressado e deslizas

em palavras

que escorrem

no papel

Inexatamente exato

és perfeito

imperfeito sendo

pois que de pouco

muito se torna

e do muito

faz-se um nada

 

Poema

és alma lavada

purificada em pranto

Poema és sujo

nas palavras coloridas

em sangue

nas quais te embriagas

e te deleitas

 

Poema

és rarefeito

quando ar te falta

e ter perdes no vazio

Poema

és sombrio

quando turvado na dor

e te banhas em lágrimas

 

Poema

simplesmente és

a turbulência do momento

em que aconteces

ou a calmaria

de que por ventura padeces

 

Poema

simplesmente és

tempo e memória

 

 

*

 

Ianê Rubens de Mello nasceu no Rio de Janeiro (RJ). É professora  e pós-graduada em Pedagogia. Identificada com as diversas propostas em textos literários, escreve também com resultados diversificados. Seus textos incluem contos, aforismos, haicais e poesias. Alguns deles são publicados na internet, em sites, blogs e revistas eletrônicas. Sendo que uma de suas coletâneas (contos) está neste momento sendo analisada pela Editora Record.

 

Alguns de seus blogs são:

http://labirintosdaalma.blogspot.com

http://ianemello.blogspot.com

http://dialogospoeticosimello.blogspot.com

*

 

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