A OUTRA EM MIM
Será que sou eu mesma
ou será outra?
Essa que em mim habita
e me tira do sério
Que perde o controle e grita
Que faz um quê de mistério
Que agita as mãos no ar
tentando algo alcançar
que nem mesmo sei o que é
Que tudo quer...
e nada tem
Que vai muito mais além
em seu silêncio de morte
Que maldiz a própria sorte
e nem mesmo quer falar
Que insatisfeita resmunga
achando a vida um saco
Que não para de bradar
que o cansaço a venceu
Será que é mesmo outra
ou será que sou eu ?
AUSÊNCIA
Amanheço em tons e sons
soturnos
quase inaudíveis
O sol de faz presente
nas frestas da janela
entraberta...
Vazio da angústia
da espera
Solidão
Não...
...quero me bastar
Aprender a ser só
Mas meu corpo
clama
a sua presença
Minha alma
chama
pelo seu terno amor
Sou sua
e de mim
me perco
e me refaço
em sua presença
em luz
em sol
em cor.
O ESTRANGEIRO
"Outrora eu era daqui,
e hoje regresso estrangeiro,
forasteiro do que vejo e ouço,
velho de mim.
Já vi tudo, ainda o que nunca vi,
nem o que nunca verei.
Eu reinei no que nunca fui."
(Do Livro "Desassossego" Fernando Pessoa)
Um estrangeiro em seu próprio país. Esse eu sou.
Olho à minha volta e não reconheço o que vejo.
Partes abstratas fora de mim.
Estrangeiras.
Incompreensíveis.
Meus ouvidos escutam uma língua que não compreendo.
Um torpor me invade e corroi por dentro essa angústia.
Sem pátria, sem rumo, sem língua, sem chão, sem paradeiro.
Estrangeiro eu sou em meu próprio país.
Quando solto o verbo, se grito, se berro, minha voz se faz calar.
Dialeto estranho, incompreensível e insano.
Louco sou, porém poeta.
Da vida escrevo o que sinto e nem sempre é o que vejo,
apenas pressinto.
O belo clamor que urge da sonoridade da fala, em mim,
é o que cala.
E o coração sangra aberto em ferida.
Tenta em vão cicatrizar dor tão profundamente doída.
Dessa tênue linha divisória a que chamamos... VIDA.
O HUMANO
E eu ressurjo com o vento
por detrás das verdes folhagens
e me contorço em sons e vibrações
inaudíveis aos ouvidos humanos
e me refaço em cores sublimes
e me transporto em nuvens
de puro algodão...
Eu, que sou massa esférica
ponte que atravessa o rio
rio que corre
mar que não se navega
Eu que sou pura e simples
perdida na poeira cósmica
invisível e fantasmagórica
Súplica contida no espanto
Eu sou o Espanto
que corre na mármore frio
e que se abriga no gelo
Sou a ponta do iceberg
Sou branca e pálida
Me desfaço em sons
Me perco em tons
Sutilmente me alastro
Como quem fere
a própria carne
e sangra de dor.
O Humano II
E eu me converto em luz
na escuridão faz-se o grito
Arcaico , primitivo,
urro de transmutação
E eu me transformo em ar
Plano sobre os campos
leve, volátil, rarefeito
Alcanço novas esferas
Perene, tranquilo...
num reconhecimento íntimo
do âmago do ser
Ser complexo e simples
Dual e par
Sem sentido, desconexo
Harmônico e belo
Parideiro de emoções
Conflituoso e conflitante
Espasmo e contração
Prematuro na essência
Renascido no amor
Ungido no pecado
Santo e profano
Misto de loucura e sanidade
Ladeado de saudade
Caçador de si.
O Humano III
E eu transmuto a dor
num espasmo
Da sombra faz-se a luz
O corpo a gemer prazeres
Amarras soltas
aberta a prisão
Prisioneiro corpo
fragmentado pelos anos
pelos amores vãos
A alma flutua leve
no corpo liquefeito
Suores e fluidos
num rio caudaloso
prazeres de amar
cantares do amor
Num dedilhar de toques
sutis e intensos
Em sussurros inaudíveis
em gritos de gozo
ressurge a mulher
Alva e pura
como a água
que em seu corpo brota
Fonte fecunda
multifacetada...
em virgens escondida
Esplendor de anunciação.
O HUMANO IV
E eu me enrodilho em pernas
em braços e amores
Me perco em sonhos, visões, carícias
E me trasporto ao sublime
num ato de amor
Enredo por caminhos escondidos
por jardins florescentes
e céu de anil
Em nuvens de algodão me deito
extasiada e completa
Mulher que sou
Em meus olhos
rebrilham os seus
em arco-íris de paixão
Minha boca que se cala
num doce beijo
de mel e hortelã
Sou sua
e cada vez mais minha
Em você me reencontro
Inteira, intensa, verdadeira.
O POEMA
Poema
quando surges
urges urgências
imediatas
és apressado e deslizas
em palavras
que escorrem
no papel
Inexatamente exato
és perfeito
imperfeito sendo
pois que de pouco
muito se torna
e do muito
faz-se um nada
Poema
és alma lavada
purificada em pranto
Poema és sujo
nas palavras coloridas
em sangue
nas quais te embriagas
e te deleitas
Poema
és rarefeito
quando ar te falta
e ter perdes no vazio
Poema
és sombrio
quando turvado na dor
e te banhas em lágrimas
Poema
simplesmente és
a turbulência do momento
em que aconteces
ou a calmaria
de que por ventura padeces
Poema
simplesmente és
tempo e memória |