RESSONÂNCIAS
Procuro na noite ressonâncias gravadas nas rochas de diorita
(ásperos gritos de morcegos e gaivotas
em um ocaso onírico). No mercúrio
das horas busco sinais,
vasculho o mosaico da memória
(arquetípica)
e invado o enxofre do tempo
(globalizado).
Avanço
(intempestivamente)
e acaricio os azuis relógios pintados por Dalí
(extravagantes).
Esses ternos relógios
(amaldiçoados),
marcam horas diferentes,
(ternos, paranóico-criticos, dementes)
desafiam a percepção cronológica e
(no sal do tempo)
agouram a (des)ordem,
(des)agravada
na melodia caótica do mundo.
,,,
, vírgulas, vírgulas, vírgulas
de silêncio rastejando pelos dedos amortecidos,
escorpiões sedentos de palavras, famintos, famintos...
ela, assustada, fragiliza vocábulos,
isola flores famintas de ternura,
digita amor em labirínticos alfabetos,
cinzela substantivos com suas mãos,
e alicerça seus textos com vigorosas vírgulas,
OCASO
(Para Jorge Furini, poeta e psicólogo social)
Espectro dos sonhos
(alguém traça um mapa com um astrolábio),
envelhece o dia e transfigura
imagens lacanianas
(tegumentos de histórias
embebidas no vinho agridoce das fábulas).
VIVÊNCIAS
Dedicado ao poeta Claudio Daniel.
Ele escreve poemas a partir de mantras.
(Om Lakshmi pataye namaha)
Palavras serpenteiam no vento entre ondas e incenso.
Sabores naufragam
no prisma da memória.
Nada escurece as lembranças de experiências
(antigas e futuras),
torrentes de emoções acordam
(e dançam),
clareia a noite cinzelada em rochas de palavras
(mantras)
clandestinos afetos invadem o castelo da alma
e a deusa dança sua dança
(infinita).
Om Lakshmi pataye namaha.
TRANSMUTAÇÃO
Nesse quadro (terra de esquecimento
e solidão)
ecoa o tempo.
Os relógios,
(oráculos do mundo,
críticas mudas,
eloquentes
obsessões permanentes)
tremem e derretem atingidos pelo mutismo e pelo vazio.
Transitam sonhos e emoções
encalhados nos relógios,
imagens de solidão e indiferença atacam o âmago
da consciência individual.
O silencio imperativo surpreende
e, de repente,
transformados em fantasmas,
(fixo o olhar),
integramos o oráculo infinito
do silêncio, dos relógios
e desses sonhos sustentados pelo amorfo adormecido.
TULIPAS
Lateja a vida nos meteoros das cores e das formas.
A artista multiplica tulipas
no universo da tela,
e as flores alegram as retinas.
*
O PROCESSO DE KAFKA
Gárgulas procuram o Processo
e o misterioso Castelo de Kafka.
Gárgulas ferozes
conspiram no silêncio,
escalam as muralhas
e descobrem invisíveis paredes de pedra e solidão.
Medos instintivos
voam por ruas ignoradas,
poeirentas,
em uma cidadela de fracassos
e desamor.
Cobras de emoções envenenam antigos alfabetos
e invadem os livros de Kafka,
(triunfantes)
reeditam o processo
(eterno)
no labirinto do tempo.
VAN GOGH
Ulula o chicote do tempo
no vulcão das horas,
e no local absurdo,
tétrico,
do porão da mente,
o brilho dos quadros
cinzela as noites de insônia.
Enquanto emoções disputam
espaços,
a orelha - banida do tempo -
impulsiona-se para a eternidade.
QUARTO SEM SOMBRA
(1º Lugar – Concurso de Poesia da Academia Itapemense de Letras, SC)
Esquecido do mundo, Van Gogh pinta.
Seus quadros são cartografia de subterrâneos anseios
tatuados no corpo e nas mãos.
O eu instintivo
(adolescente)
extravasa emoções,
extasia-se nas cores dos trigais,
no voo dos corvos,
nas expressões dos rostos operários,
nas luzes de Arles.
Pinta em um ritmo alucinante,
pinceladas justapostas ganham vida.
Obsessivamente
retrata seu quarto com movimentos compulsivos.
Seu quarto não tem sombras,
ignora-as,
(elas o aterrorizam com suas histórias).
Mas as sombras tentam entrar pela janela entreaberta.
Espreitam
(invisíveis)
desde as paredes do quarto do quadro do artista.
A loucura perambula pela casa amarela.
A TRAGÉDIA GREGA
Ódio e rancor vasculham,
ladinhos,
as cavidades das orelhas e dos olhos,
e a boca solta uivos estrondosos.
Ferozes
as cruéis lembranças das retinas
extravasam o sarcasmo,
somam fracassos,
reformulam palavras, lançam facas
e olhares.
As tragédias gregas despertavam
o horror adormecido nas entranhas.
Hoje os vampiros comovem,
mas ainda grita Prometeu acorrentado
no alto da montanha
– ainda grita. |