ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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IVAN GUARDIA

 

 

 

 

SÍMIOS NO DESPENHADEIRO

 

O maior desastre da humanidade é ser irreversível.

Irreversíveis doem como pepitas de gilete no rim.

Hoje acordei com vontade de suicídio, vontade de reinvenção.

Dez pivetes acenam para mim, todos eles têm estilingues no pescoço.

Toda coisa que tentei perdeu a direção.

Essa cápsula-marfim me mostra a estátua do que deveria ocorrer na permanência.

Toda verve foi plantada em gestações infecundas.

Sua glória é meu estandarte de desprezo, sua emoção me faz rir do eco.

E não é uma questão de reflexos, não é uma porra de questão niilista.

Tive duas ninfetas na noite passada, sou um astro qualquer de mídias desligadas.

Sou uma gestáltica ciranda na palma de Lúcifer.

 

Esticarei seu corpo no próximo passo, tomaremos pestilarias quando o som for ruído.

Quando os poemas estiverem rasgados e ninguém se der muito bem.

O mordomo também esqueceu seu chá de lírio na sacada.

O mordomo também derrubou seu chá de lírio nas sarjetas.

Minha língua híbrida ainda procura os vocábulos certos enquanto lambe o muro de arranhões.

Catálogos de velório suspirando embaixo do desgaste.

Embaixo das plumas de Calla.

Embaixo da respiração dos monstros marinhos.

A semelhança quebrou sem anúncio, a semelhança nos levou até as aves de rapina.

 

Estamos sentados no mesmo sofá vermelho, desentendemos esse mesmo ódio embaçado, esse mesmo ódio que abraça.

Cartilhas com sementes áureas para você e para meu soluço.

Destroçamos as artes num palácio de transparências.

Destroçamos as transparências num palácio anarquista.

Usarei suas sapatilhas quando você cochilar.

 

 

 

NO JARDIM DE ABSURDOS

 

Vim como uma bigorna furiosa prestes a arrebentar a cara

& não terei o pudor opalino de pedir autorização & comerei

meus hamsters com malagueta & fritarei os belos arcanjos de porcelana do peitoril do meu crânio

A vida é tão fútil quanto uma alameda sem samambaias

A coisa toda possui rigor estético

Preocupar-se com isso é estupidez

A coisa toda cheira a pneus encharcados de mijo & spray roxo

Mas pulverizei a grana numa rodada grande de vodca ordinária

& aguardo um prato árabe & quero chutar finalmente a poça d'água do céu

Comendo azeitonas pretas com babadores de inocência suja

Ou preferindo um aforismo de Nelson Rodrigues a todos os padres enrabados & caducos

A todos os inimigos da agressividade silenciosa

Quero um sentido deturpado para engrenar, para achatar com fumo & cuspir no assombro eterno

Quero os bitolados na amídala do meu coturno arregaçado de nervos

Não sei quantas chances dei ao futuro, tiramos racha no abismo

Os dois perderam

Os dois blefaram terrivelmente mal

& eu posso enxergar a dinamite fosca enfiada no banquete de portas

& eu posso enxergar o quão maçante é a rajada da ânsia

Ando confuso, epilético, fanático por casebres ornados sobre palitos de fósforo

As grades caíram diante do meu tato

Hei de ressuscitar com um saco de incógnitas na mão, interminavelmente.

 

 

 

CANIVETE BUTTERFLY NA CARA DE DEUS

 

Os sensores da morbidez parecem anjos falidos. As malhagens de osso & clubs & guiamentos terapêuticos. Frenesi psicossomático. Moradia de crises; sobras; dobras fônicas

 

Meu tubo-de-ensaio dilacerou a funilaria, o museu, a ópera & a lua 

 

Um pára-quedas boicotado no outro lado das doenças febris. Dos cantos hebreus saudosistas de urânio, aventais & pinças & vídeos pigarreantes, correias metrificadas, gerações famintas por estrutura & piratas vestidos em banhos totalitários

 

Lobotomias de grife

 

Pontes do reinado parcial

 

Mercenários bobamente reclinados no degelo-cisto

 

Gancho eletrocósmico costurando números de loteria

 

& eu sei onde mora o tactel, o aço temperado & seus filhos. Onde mora o aconchego atmosférico do basta. Onde moram os heróis atrasados. Onde moram os desesperados por trilhos ululantes. Onde mora a naja treinada num quarto suburbano do nunca.

 

 

 

QUANDO A PORTA DOS FUNDOS SE ABRE

 

Uma granja de cérebros.

Mandíbulas no cubículo psicomecânico.

Vértices me supurando a córnea direita.

Amanhãs condutores de raios.

Desse lado da casa não se pede desculpas.

As flores rangem despojamento.

Desse lado da casa se mata muito, ofende-se muito, há crime

engatilhado em cada parede.

Desse lado da casa há despreocupação em cada ímpeto posto no caldeirão das memórias coletivas.

Temos cartazes de coxas cambotas.

Temos pescoços de pelúcia por causa do tabaco.

Desse lado da casa torturamos a censura.

Desse lado da casa é permitido chorar e ver cada um dos cinco sentidos como castelos de baralho invisíveis.

Desse lado da casa se monta castelos de baralho telepaticamente.

Meus únicos amigos moram desse lado da casa.

Não levamos a amizade tão a sério, por isso somos grandes amigos.

Nós dividimos o gim e a ressaca.

Nós defecamos nas regras e achamos o conforto irascível.

Desse lado da casa há um êxodo de pall malls apostando o próprio umbigo.

Tricotamos alabastros de comunicações paralisadas em papoulas delirantes, delineamos melodias ridículas, exterminamos Lordes como baratas exterminam gerações.

Desse lado da casa não existe dívida nem desumanização de eventos.

Somos morbidez-epifania, somos o jazz de um orgasmo expandido no desdém.

Somos a desidratação da penitência moderna.

Sabotamos sapateadores e damos seus ovos para as cobras.

Não poupamos humor negro, poupá-lo seria o mesmo que dar importância à respostas de sobrecasaca.

Desse lado da casa vivemos a ordem de voar.

Desse lado da casa

onde a porta dos fundos penetra como única sabedoria possível.

 

 

 

A LÍNGUA DO LAGARTO DE OM

 

Eu lhe deixei o chapéu de vaqueiro da primeira vez que rondei as montanhas e levei saraivadas de rifle nas ombreiras e nas costelas

Era tentativa de escapar de costas da crucificação sonsa, rompante no trevo despido por corvos migratórios

Ninguém perdoa anônimos que derrapam logo abaixo do quadril dos planetários sem brilho

Ninguém perdoa quem ainda está de pé

Eu mastigava garfos para dormir e conseguia alojar um bagaço de fagulhas velhas em mim

Muito convencido de sincretismos retrógrados e antropofagias picantes, também amarrava apertadamente cipós na cintura e líquens ônix nos pulsos

As raposas fatiavam meu território de larguras intrafegáveis

: parafusos tartamudeando no arco-íris

E não havia critério que detesse o desânimo dos marejos

ou extrativismos que me levassem até o topo da voz absoluta.

 

 

 

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Ivan Guardia nasceu em Mogi Mirim. Desistente da faculdade de Direito, cursa o primeiro ano em Letras. Já colaborou com o jornal O Impacto e venceu o terceiro concurso de contos da sua cidade natal. E-mail: ivanandradeguardia@gmail.com.

 

Blog: www.sabotagemdeparaquedas.blogspot.com

 

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