JAIRO
PEREIRA
POEMA ABSTRATO
Fiz um poema abstrato
de não se ver não pegar com
as mãos poema tipo sopro no
escuro vento miúdo nos pés
flagelo de sons no tempo poema
de flanar :lúmino:
nos espaços dúbios do dizer
inventar sonhar fiz um poema
inconcreto suspirado pra dentro
poema neopictórico para enganar
Kandinsky poema hígido de eus
obscuros fiz um poema
regurgitado de sementes falsas
pólens esporos aéreos :um poema
mnemônico: filmes gravados na
memória projetados no futuro
garatujas sobre garatujas no
papel fino da mente fiz um poema
abstrato :cesto trançado de vozes
idas e revividas: fiz um poema
abstrato de comer suspiro de
vento e beber água no vapor da
cachoeira do tempo.
O INFERNO DO SIGNO
uma vez me fiz um favor
escolher meu próprio caminho
outra vez me fiz outro
refletir sozinho no espelho
outras vezes me fiz tantos:
entender-me com minha poesia
evitar os livros inobscuros
:cartas desembaralhadas:
mergulhos incegos na filosofia
uma vez aderi a outros mundos
sensações imagens em trânsito
percepções & outra vez as coisas
vinham e me cercavam
vinham e espiritavam como queriam
:redemoinhos de ventos doidos:
o inferno dos signos.
POEMA DO TEMPO &
DA NÃO-PROPRIEDADE
DAS COISAS
Nada há em vida que seja de minha
exclusiva propriedade
:vida: nada tenho de meu neste
mundo sequer a posse de alguns
objetos :matéria na matéria
acúmulos: apenas tive teus signos
profusos quereres vertigens sonhos
que sonhamos juntos
:porções do melhor alimento:
os sonhos sonhados ao relento
nada no mundo tenho além
pensamentos depois do tudo que
tivemos sonhamos
relembro teus tricôs :áreas planas de
labor: dicionários construídos com
linhas verbetes de coloridas
significações
um alento lembrar tuas palavras
construções verbais de improviso
:expedientes de muita poesia:
sonhos sonhados juntos que sonhamos
um fazer sobre todas as coisas
belas expressões imagéticas
no tecido-vida e por acaso
gestos desmedidos palavras soltas
no vento crescidas de tempo
gravações espontâneas no tecido-
vida :vida: aventuro criar agora uma
floresta permitida do futuro só pra
nós teço silêncios dramas sagrações
invento trabalhos novos opções de
lazer um mundo diferente aos nossos
olhos mundo de tocar com as mãos
os pés sentir com todos os sentidos
mundo de vivermos sonharmos
juntos os sonhos que vivemos
sonhamos pela primeira vez
minhas palavras poemas gestos
vertidos
de verdes-limos
tomados de espaços livres no
crescer do tempo teus tricôs
:finos tecidos: obras de arte
flores nativas sopradas de
ventos.
*
Jairo
Pereira nasceu em Passo Fundo (RS) em 1956, mas reside
hoje em Quedas do Iguaçu. Publicou vários livros
de prosa e poesia, entre eles O Artista de Quatro Mãos
(1992), O Antilugar da Poesia (1995), O Abduzido (1999) e
Capimiã (2002).
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