ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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 JOANA CORONA 

 


 
CALCÁRIO

da epiderme pálido-dourada ressequida impregnada em mim, de você. quero-me caracolear arrastando tempo caso suporte, em renovada carcaça. vejo camaleão quando posso enxergar-te, quando não absorvido na paisagem, até nem. e suas roupagens multiflex. multi face ta. da face mostra-me o entrecanto, curvatura média em contornos noturnos rígidos à ponta pontiaguda do nariz - sua máxima envergadura. boca que enruga palavra - encurvada, contraída. sugando-se corpo integral do que a boca é corpo, não fosse saliva-seiva nas bordas do beijo que invado letárgica numa investigação do que em você ainda é possível. recolhendo lábios feito colhedor de névoa, em espécie de congelamento gradual. na noite. impregnado de chumbo, metal pesado e outras reminiscências. permanente absorção contínua, boca-a-boca. e tudo que a tua mesma sangue-sugueia. da minha, alimentando-se. envenenando-me. continuo dilacerando lábios carnívoros que não cessam em encerrar-se corcundeando. embicando feito pássaro, acostumado à vertigem de viver em outro plano, entre rasantes e quadrantes aéreos. somos amantes de pedra, com características de caramujo - calcarizados, camuflados de gente.

 

CARÍCIA

caliciosa, amol-desfazia ossatura calcificada. peito calçado de carcaça ainda que maleável, escorregadia de limo. acúmulo de pegajosidades, umidezas que enrijecem, com o franzir dos cenhos, com o tempo. o silenciar é fenômeno que acontece, também, junto do encolhimento de extremidades. certo aconcheamento, que pode chegar a selvagerismo, até. solidão tamanha ampliada ou aguçada. tem gente com aptidão de planta e tendência a pegar raiz. encurva, em se acostumar. e acostuma fácil a delicadeza do que passa lento, sem alarde. passa a desenvolver capacidade única de assimilar inutilidades e apreender seres secretos, que respiram quase sem respirar. e qualquer sopro sob a face, pode ser como brisa, carícia.

 

COMPRESSÃO

zona esponjosa (de perigo). porosa, absorve: cresce. agrega limite, além. cantos aproximam paredes (nos lados) e teto (assim como chão, abaixo). sem abertura ou fresta, lugar impenetrável. a não ser. orifícios sinuosos, agrestes. espinhosos feito pele ouriçada. é preciso aprender fluidez de plasma. gosma. rastro doce de leSmA que solta seu rastro doce. na superfície de pedra - inflexível. tem outro jeito, um segredo vivido. é que de dentro, única forma, quando junto ao sangue, percorre o corpo todo, contagia. solidifica-se aos poucos, feito cálcio, magma congelando, esfriando gradativa fervura de latência. organicamente.
corpo que cresce dentro do corpo. comprime.

BEIJO

na manhã de agora, não havia consciência antes da tua boca. goteja do céu alguma saliva que se ouve. enquanto. boca na boca entrelaça outro som, também molhado. resquício ainda de uma e outra palavra que a ferida. então, compreensão instantânea do beijo. corpos quentes (e o desejo) apesar do frio. de lá fora.

PAISAGEM ALARGADA

face que desconheço a não ser
o que dela está
à mostra.
por detrás:
pele morta, enrugações, marcas.

tempo de ser no ainda aqui.
do outro lado, barulho de pedra e calvice.
lisura extrema ao toque do olhar.
brilho, ao toque da luz.

paralizura, no que constitui -
dor involuntária que não supura.
ou desgruda.
caligrafa dúbia existência.

o amolecer o movimento escasso.
mãos não alcançam o depois do agora (sequer o agora).
perdem-se no vôo lento carregado de sombras
(ou punhados de escuro?)

do lado de fora da quadrada janela sem vidro, moldura por onde o sol espraia outra vez, outras mortes.

apalpar o corpo teu, com as mesmas mãos
plúmbeas, rochosas e empedradas.
de dureza antiga.

                            no entanto os dias insistem, assim como as noites, ainda que.

deserto que contém o entrecorpos
(e eles próprios, pela dobradura).
deserto em si - corpo
expandido, pele salina.
esfoleada e árida, porosa.
água pouca, e arsênico.
aqüífero de fósseis e pedra arenosa, do Saara.

fosse como somos a cor seria azul e a extensão até perder-se.
areia agregada à pele oleosa,
fundida por entre orifícios.
absorvida.
(além do que da pele é superfície.
além do que do corpo é corpo.

pensando alturas, longitudes geo gráficas.
extremices. extremidades da paisagem.

elétrica.

 

ATRAVES AMENTO

rabo de sol sob o móvel, fixo.
na pele, manchas de calor e, flutuante,
a poeira dança à luz -
aleatória

tua existência, violenta
e aérea, cruzada na
minha. intransitória. imovível.
corpórea memória

metafísica.
lugar localizado entre
dois  - vácuo
dos corpos que nos atravessa.

 

ESFERA

lado a lado (e junto)
vida que me descobre
cada vez mais
nua.
descubro descoberta,
como ir ao
outro lado da tua
esfera
metade escuro-chumbo
metade prateada
de concreto luminoso
e aerado
atravesso, feito raio
numa reta enviesada
tua cidade
circular.

 

ENTARDECER

voam em bando.
estardalhaço.
feito vento nas folhas barulhentas.
as asas, simultâneas: tambores.

avoada, nem vê,
de perto.
o fim de tarde
sonoro
a manchar o céu (alaranjado)

com sua listra negra e ligeira.

 

(Da série pássaros-passarás)

 

*

Joana Corona, poeta e antropóloga, vive em Curitiba. É mestranda em Estudos Literários na UFPR. Publicou o livro de bolso literário-visual OQ? (2006), em parceria com C. L. Salvaro. Publica fanzines coletivos, Potlatch (2 edições) e (5º edição). E-mail:  joanacorona@hotmail.com.

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