ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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JOÃO MAIMONA 

 

 

o instante da chegada e as flores da alegria.
perdidos estavam os profetas que condenavam
as testemunhas do silêncio do mar. a reencontrada
confusão da escuridão e o livro do profundo
isolamento do pastor. diante da janela do palácio
de exílio crescia uma esclarecida pátria.
a obscura solidão dos olhos de crinças errantes.
as pedras vinham dos refractários que navegavam
quando o mar vacilava inconfundível. infinito.
invisível. imperceptível. incessante. inarticulado.
inconsciente. sob as cinturas apertadas de um
palácio em exílio. o dia esquecia-se do esplendor
do incêndio. do mapa apenas se libertavam
o deserto e sua cegueira. imprevisível era a voz
intangível que facilitava o descanso da
juventude cristalina: comigo a areia ardente
julga as periferias da alma.
comigo as vitórias da distância mergulham em
caminhos de luz. comigo as notícias enrugadas
dissipam a fidelidade da elegia do instante
da chegada. e pude dissecar o instante da
chegada e as flores da glória.

 

a alegria e o sal do saber.
enorme por persistir nas sílabas
da harmonia. a chuva pública
continua a testemunhar o
despertar das estrelas. o anoitecer
das folhas que fazem da chama
frágil a segunda respiração
necessária. a sétima árvore
anunciava a efervescência
do novo planeta. o olhar
da linguagem sobre a aliança
dos sorrisos. a madrugada
da inovação sobrevoando
a delicada diluição da música.
a experiência da aproximação
nocturna proclamava a
intenção dos lábios. as fotografias
do espaço dependiam da harmonia
singular do céu. renovei a paisagem
nocturna saudando uma enorme
madrugada por suturar.

 

a infância do mendigo e a promessa do poema.
imensas interrogações sobre a sintaxe da felicidade.
a chuva como resposta tardia quando
a benevolência do império dispersa seu esplendor.
há na calçada do mendigo o mar e o poema.
na espuma azul do novo dia há milhares
de candeeiros desenhado a arquitectura
da convalescência com letras maíusculas.
são janelas misteriosas. anunciados
crepúsculos em cartas de Deus dispersas
por colinas ensoleiradas. de súbito
o coração do mendigo alegra-se
por ler cartas com suspiros de liberdade
e a fome de outros mendigos dedica
uma noite de amor aos loucos do palácio
de exílio quando a chuva se despede da catedral.   

 

o sentido do regresso e a alma do barco.
antes que o mar anuncie a sua existência
os capitães transfigurados trespassam a
linha do amor. as noites evasivas de
passageiros castigam as raparigas
de saias amarelas. assim se mostravam
as horas selváticas que destapavam
os enigmas da navegação crepuscular.
inicia-se uma peregrinação. os anjos
enviam mensagens para as raparigas
de olhos castanhos.
arrogantes eram os homens que
saudavam o barco.   

 

nestes crepúsculos de agosto
a diluição da incerteza.
murmúrios que abrigam
porções de humidade vindas
de uma cidade corrosiva:
a noite nunca era sinónimo
de melancolia. em aldeias
africanas as aves aprendem
a usufruir da sabedoria
da luz matinal: não hesites
em amar as reticências
obscuras. não procures a alegria
que se aproxime do sinal
da síncope. entre esplêndidas
heranças da adjectivação, verás
o limiar do colapso entrando
pela Ilha do Cabo. nas próximas
décadas culpadas da fidelidade
do lugar de pedra.   

um sorriso se desprende dos lábios
do poeta. sobre os séculos que vigiam
o lugar de pedra sobrevivem
a música de renascimento e a luz
harmoniosa em cada folhagem. 

 

dias sorridentes que não reflectem
a fluvial metamorfose.
era a multiplicação do elogio
retorcido no limiar
da inominável chama.
silêncio ignorado ao pé de um
mosaico de lágrimas. serena
a luz do dia volta a olhar
a elegia mais profunda do milênio.
decidi transpor a folha verde
proveniente de uma manhã
de janeiro:este é o instante
de enriquecer a luz serena.

 

a planicie voltou a soletrar palavras amargas.
ontem as aves sonhavam que os gatos
padeciam de pneumonia crónica:
estas datas tranquilas trazem um perfume
de mar: a claridade oculta que canta.  

na penumbra desfilava o equilíbrio da
cidadela decadente. fatia de luz serena.
veio um vento exibir sua ternura
e pronunciei meu discurso em lugar
preparado para proclamar o instante
da ventura, a angústia de uma chuvada
vagabunda que se anuncia interminável.
amanhecer frio, histórico pelas cores que
a pátria aberta mostra mal articuladas,
pôs-se a devorar a solidão das trevas da
penúltima torre da cidade arruínada. 

lugar de pedra onde a minúscula aldeia
multiplica uma sequela de plasma.
a folhagem que se faz anunciar,
sólida, trazendo o aroma da fogueira
da união, é apenas o percurso das estrelas
do norte, centro e sul do crepuscular ofício
de séculos e séculos na compartilhada
esperança que procura o dia da estátua.
surgem ondulações que ainda escuto
com minúcia. com o silêncio sinfónico
não se chega ao paraíso: privilegiava
uma voz orgulhosa que transitou pelos
meus ouvidos. canto uma vez mais
o lugar de pedra. o olhar da noite
anónima chega a imaginar
ternuras envelhecidas.

 

*
 

João Maimona nasceu em 1955, em Quibocolo, município de Maquela do Zombo, na província de Uíge (Angola). Em 1961, refugiou-se na República do Zaire. Estudou Humanidades Científicas em Kinshasa e em 1975 ingressou na Faculdade de Ciências, regressando a seu país em 1976. Dois anos depois, fixou residência em Huambo, onde licenciou-se em Medicina Veterinária. É membro-fundador da Brigada Jovem de Literatura do Huambo e membro da União dos Escritores Angolanos. Publicou, entre outros títulos, Idade das palavras (1997), Festa de monarquia (2001) e Lugar e origem da beleza (2003).

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