ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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JONATAS ONOFRE

 

 

 

 

KAMIKAZE


I.
Provocar o vazio
e dar o salto.
Ir além da linha, dissipá-la
e negar o abismo sem sorvê-lo.
Ser apenas queda
sem escalas.
Deixar o corpo
aceso dentro da hora
e congelar os transeuntes,
os carros, as nuvens
na dança estática do agora.
Deixar-se no poema que inaugura
a tarde da cidade.
E fechar os olhos
lentamente
enquanto o sangue ainda arde.

II.
Olhar através do concreto.
O céu arranhado da cidade.
A hemorragia do ocaso
Ignorada no vôo.
E sentir-se exato
ao verter o enigma.

E não voltar atrás
antes da borda do vazio.

 

 

POEMA I

Duas esfinges devorando-se
entre as paredes do silêncio.
palavras
coagulam
junto ao enigma.


 

 

 

POEMA DE QUANDO VI UM MEMINO DE RUA  II

Dorme.
um dormir claro,
como dormem as coisas
e nelas um relógio avaro.

 

Dorme.
o sol suspende-lhe
o meio-dia reto
sobre os ossos
e paira como abutre
velando a caça.

Dorme.
fechado em caroço,
exalando a ruína
na tarde da cidade.

Dorme.
incrusta-se
no branco de meus olhos
ignorando
meu espanto

e o silêncio do poema
apurando-se em sua sombra.

 

 

 

 

TUMBEIROS


I
As horas se dissolverão
depois da linha do equador.
Num desvão soturno
olhos velam a espera.

II
A carne cala o corte.
Tantas mãos afagando
navalhas, no porão,
antes da âncora e do archote.

III
Indiferente ao traçado
de paralelos e meridianos
sobre a carta. O corpo singra
e sonha o dia da cova exata.

IV


Acender-se dói.
E eles com a treva costurada

ao corpo tendo que descoser-se
ao sol cru do porto.


POEMA DE QUANDO VI UM MENINO DE RUA I

Seu sono,
lâmina em meus olhos,

Derivando

na imundície da calçada

e ele
sendo apenas sombra apartada


LUZIA II


O vinho profuso das horas
apura-se
de tuas pupilas
e todos os sóis

acesos em tua carne

sideram-me

até o cerne dos ossos


OBSERVAÇÃO DOS PÁSSAROS

A Neuza, que também os fotografou
I
Revoando

 

do ocaso 
horas

ensurdecendo

relógios 
num chilro sagrado e à deriva
miramos

o sol, mais densa das aves, que 
vazando 
o teto desta cidade
suspende,
ainda,

no mais alvo, exato,
dentre as cores, 
seus: ovo 
e
canto

 

II
De todas 
as estrelas insones indóceis 
o vôo
Impassíveis

ante

a lua incubando-se
grande mãe 
ao ninho de trevas 
silentes

 

 

 

 

vagueando  

à ausência

            de porto

a palavra

vaso

ancorado                      sem amarras

 

 

 

 

 

 

***

 

 

escalando

num contraponto           medonho

a palavra e seus cânticos

                        na liturgia de

contemplar

o sagrado

            fazer-se

do segredo

 

 

***

 

 

no avesso         da luz

 

                                                           só

 

o fruir da palavra

é como este indizível

                        resto espelhado

do mito

 

 

 

***

 

 

buscando

                        no fato

à rede   de        es  ti lha ços

o fio que o retome

 tem     amargando

entre os dedos                          fuga e

                        poeira

 

 

 

 

 

 

 

***

 

exposta

e o mundo

                                   volúpia concisa

fugindo às horas

 

sem fim

seu fazer-se                 da impureza

 

 

 

***

 

 

vazando            a face

do verso

            vaso sagrado

sílabas              tantas

patas do mito                           indomado

 

 

***

 

 

abra(a palavra)çando

o silêncio

            com seus tentáculos

de navalha                               e deserto  

 

 

***

 

 

pecando            quem

acreditando num equilíbrio

                        sem tensão

o ser

de todo             é um balançar-se

à borda do       

                       

                 vazio 

 

 

 

 

***

 

 

sustendo

a armação

            de segredos

os andaimes

            ao redor

exoesqueleto da

            construção

 

 

 

***

 

 

 

há algo de poesia

na construção   pássaro

                       

                        rasteiro

que se                                      esvai

fecundo na fábula

precário labirinto

                                   do para

 

sempre

 

 

*

 

Jonatas Onofre, 01/11/1991 pernambucano de Paulista, poeta e músico, graduando em Letras na UFPE.

*

 

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