ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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 JORGE MELÍCIAS

 

 

 

Trabalho a crueldade
pelo lado da exuberância.
Como instigando a carne
à vernação das goivas.

 

* * *

 

Elas são por dentro da idéia
uma efabulação ignívaga: as dragas.
Progridem nas aluviões
como cirros insanes.
Trabalham no sangue a alegoria.

 

* * *

 

A chacina é uma indução
à espera do seu tempo.
Sobre esse propósito
estabeleço-me unívoco.
E onde cães e homens
disputam a carniça
à lisura dos ossos
inscrevo a consolação

 

* * *

 

1

Sobre a imposição dos abismos
encimarei os gárrulos.
Erguer-me-ei das jugulares
como a pura dicção do medo.
 

2

Descerei das canas
para a rasura da redenção.
No dorso o relâmpago
como uma carena blasfémica.
E um amor profundo pela impiedade.
 

3

Caminharei entre os homens
com um punção virado ao medo.
As meninges
recrudescendo nas navalhas
como um apostema.
Todo o metal sitiado
pela injunção das ínguas. 

 

* * *

 

Um pulmão sulfúrico
extraído à elisão do ar.
Ateado desde o âmnio
como uma degenerescência vital.
Os estames
disseminando-se na refracção,
reduzindo a fluidez
à consumação do atrito.

 

* * *

 

Reconduzo o medo
à minuciosa obstinação
de um ângulo.
E onde a febre tange
a esquadria
radicarei a chacina. 

 

* * *

 

Adestramos na carne
os estrepes do horror.
E pela elocução do medo
inferimos da consolação:

só o ferro
remirá em si a ferida. 

 

* * *

 

Vi os campos inçados pela improbidade.
Os justos como plainas alucinadas
sobre a incontrição
das esquírolas.
E o desespero
era uma forma de beatitude.

 

*

Jorge Melícias, poeta português, nasceu em 1970. Publicou, entre outros títulos, os livros de poesia Ahagahe (1994), A um deus de olhos de graça (1995), Iniciação ao remorso (1998) e Incubus (2004). Traduziu Elogios, de Saint-John Perse, Cartas de Isidore Ducasse, de Lautréamont, Conselhos aos jovens literatos, de Charles Baudelaire, entre outros.

*

 

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