ZUNÁI - Revista de poesia & debates

 

 

JOSELY VIANNA BAPTISTA

 

 


Foto: Francisco Faria

 

 

IMAGENS DO MUNDO FLUTUANTE

 

 

 

RIVUS

 

A água mede o tempo em reflexos vítreos. Mudez

de clepsidras, no sobrecéu ascendem (como anjos suspensos

numa casa barroca), e em presença de ausências o tempo

se distende. Uns seios de perfil, sono embalando

a rede, campânula encurvada pelas águas da chuva.

 

No horizonte invisível, dobras de anamorfoses;

sombras que se insinuam, a matéria mental.

 

 

SCHISMA

 

Cobre se refletindo a ouro-fio nos olhos:

sem pano nem cordame, os móbiles oscilam, barcos

sem rumo, a esmo (desertos), rio adentro

(no leito cambiante), sem remo ou vela

ao vento. Vogam no entremeio, rio afora,

no linde (os sonhos) - superfície.

 

Nuvens e água, pênseis, a ouro-fio nos olhos.

Inverso de mortalha, os lençóis correm em álveos:

os barcos têm velâmens.

 

 

RESTIS

 

Um vento anima os panos e as cortinas oscilam,

fronhas de linho (sono) áspero quebradiço; o sol passeia

a casa (o rosto adormecido), e em velatura a luz

vai desenhando as coisas: tranças brancas no espelho,

relógios deslustrados, cascas apodrecendo em seus volteios

curvos, vidros ao rés do chão reverberando, réstias.

Filamentos dourados unem o alto e o baixo

 

- horizonte invisível, abraço em leito alvo:

velame de outros corpos na memória amorosa.

 

 

VELUM

 

Lúcido pergaminho, pele argêntea, de prata

(bolsa d'água, placenta), nas raízes aéreas. A cera

e a polidez da pétala encoberta: brácteas

que se abrem (túnica) e desabrocham: filandras

e nervuras na placidez selvagem -  flor

e acontecimento que se desdobra em flor.

(Velâmens, em camadas, evoluem no ar.)

 

A gravidez sem peso dos pecíolos no limbo.

 

(Poemas do livro Sol sem nuvens, a sair em 2007, pela editora Perspectiva.)

 

 

*

 

Josely Vianna Baptista, poeta e tradutora, nasceu em Curitiba (PR), em 1957. Publicou os livros de poesia Ar (1991), Corpografia (1992) e Outro (em co-autoria com Arnaldo Antunes, no álbum de arte homônimo de Maria Angela Biscaia, 2001). Em 2002, seu livro infantil A Concha das Mil Coisas Maravilhosas do Velho Caramujo (Mirabilia, 2001; ilustrações de Guilherme Zamoner) recebeu o VI Prémio Internacional del Libro Ilustrado Infantil y Juvenil do governo do México. Em 2005, lançou Terra sem Mal: com rolanças e mergulhos pelos divinos roteiros secretos dos índios Guarani (Mirabilia; ilustrações de Guilherme Zamoner). Uma coletânea de seus poemas, On the shining screen of the eyelids, foi premiada em 2001 pelo Creative Works Fund, de San Francisco, e editada nos EUA em 2003 (Manifest Press, tradução de Chris Daniels). Os poros flóridos foi lançado no México em 2002 (Los poros flóridos,  Aldus, com tradução de Reynaldo Jiménez e Roberto Echavarren) e nos EUA, em 2006, em 1913 - A journal of forms (Roanoke, tradução de Chris Daniels e R. Alfarano). Em 2004, publicou Musa paradisiaca: antologia da página de cultura 1995/2000 (Mirabilia), coligindo parte de seu trabalho em jornalismo cultural. Josely publicou traduções de importantes autores latino-americanos, como Jorge Luis Borges, Lezama Lima, Cabrera Infante, Alejo Carpentier, Coral Bracho e Juan Filloy, entre outros.

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