ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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JULIO LIRA

 

 

 

 

BBC

Os olhos verde-água disparados no rosto aborígene ou árabe ou indiano ou brasileiro ou turco ou marroquino ou egípcio em cenários de adobe e pedra, mosteiros suspensos, mercados flutuantes, bandeiras sem fim, ruínas soberbas, cenografia de confins, os olhos verdes água disparados na pele obscura do século nada contam, wall papers, rapid share, finíssimas e em nada embaçadas lâminas de cristal; em suspensão familiar recortes de recortes de guardanapos, das mais prontas mercadorias, das mais doces situações, das mais funny, das mais delicious, das mais.

 

ABSOLUTO

na calçada da república

outro rapaz palmeava as dobras de escuro

desencontrando pedrinhas

de crack, que surgem e somem

notas rápidas de piano

em uma tempestade corriqueira

em tudo ritmo, fungos de inverno,

café com pãozinho quente, na

líquida expansão do inseticida,

 

CONTAGEM

3.

sobrepondo-se aos contornos de fraturas cotidianas – onde tua

sombra – ficções tatuadas tarde após tarde, scientific-worlds

sempre vencidos, a contraplano das roupas

largadas, canyons/penhascos de prometidos exoplanetas.

 

2.

ultrapassado o perímetro do papel de parede, onde bolhinhas

irrompem epidérmicas e também bebemos e também falamos

 

TILT.

(de cães – do black e do campesino; me contou da família conservadora

que assiste junta filme pornô; comunista, me disse que toda

família tem 1 lésbica; 1 gay; 1 travesti; 1 presidiário;

1 pinguço; 1 puta. que é triste, normal, ninguém pode evitar)

 

ANOTAÇÃO DA MARGEM

 entre  leitor e outro

cama e calçada

os repetidos arcos

da arquitetura anti-mendigos

 

 ........................................................

o randômico facho de luz

dos automóveis colide

na mureta e tatame de papelão

esmagando o que encontra

 

........................................................

vítima da vítima

empurrou, até perder

forças, a cadeira de rodas

remontada em pedra de sísifo

 

FUNÇÃO

 a fotografia outro dia na vertical

contorce-se no canto da casa

muros  e céu em extracampo

filete branco em geometria autônoma

copo em origami tosco

servindo fingida ração

para a visita da noite

 

ECO

às dezenove horas, tirou a colcha e sacudiu a memória;

mais cedo, na minúscula suíte do hospital, as visitas

comiam bolo de padaria, às vistas do paciente diabético que

ria não esquecido da perna raspada até o osso –

 

azul, necrosado azul: a terra é

 

bem acima dos muros, dos cumulus nimbus inquietava-se

o oceano leitoso revolvendo as margens da pequena ilha;

por isso sabia, Laika voltou para casa, enlatada

vem aqui, Laika, vem, vem  

 

(música melódica e triste: uma guarânia)

 

a cadela, assustadiça como nos seus dias de rua,

pêlos queimados, coraçãozinho trêmulo, agasalho ridículo

dá voltas em torno do salto branco da assistente,

o auditório revira-se eufórico, Laika, Laika!

às três e dezessete, os alarmes de cabeceira disparam

 

 

*

 

Julio Lira nasceu em Fortaleza. É sociólogo e criador no campo da literatura e das artes visuais. Coordena a ONG Mediação de Saberes. Publicou um livro-objeto com poemas, crônicas e narrativas.

*

 

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