PARTE I
O QUE NÃO É
Uma mãe feita para criar bois [espelhados],
administrar a base da terra para a permanência.
Fez um filho com duas estrelas,
filhas da massa negra do espaço.
Uma mãe feita para criar bois [gigantes]
e aumentar a sua sombra.
Acendeu velas e dançou
para o dia em que seria dona de cria.
A partir desse dia, acordou com os olhos grandes;
talvez crescidos em algum ponto do inferno durante a
noite,
dentre cemitérios de sóis.
Seu nome mudou-se para outra casa;
pertence a outro número. A outro ofício.
A viagem:
- De todos os rios por que passou,
ficou-lhes terços de seu cabelo, agora branco,
como espuma de mar.
À noite os rios a visitavam e derramavam
transparências em seu peito. De seu ventre, então,
nasceram cabelos de estrelas e espumas de mar. -
Mais uma vez seu nome foi mudado de casa,
até a vontade se retrair.
Seus cabelos caíram e o nome passou a ser:
poca sombra
e por fim
Nasceu um menino.
ÊXODO
Novas sementes e flores cresceram;
o céu não era mais o velho, de lá nasciam pássaros
revelados a apenas um olho.
Maria da Graça
antiga cidadela de grumo, aquática,
aterrada por trens.
***
De um lado a outro, em Maria da Graça,
as pessoas atravessavam trens parados - homens ajudavam
moças
e crianças [todos sem nomes.
Os trens brotavam da areia e propunham trilhos à terra.
***
Poca sombra,
nascida
dentre nomes -
Era apelidada a mãe. Expulsa para a terra do comboio.
***
MARIA DA GRAÇA
A encosta repetia os nomes perdidos;
muros se erguem na pedra do sapo,
o balbucio de palavras eram carregadas de vento
Caíam duras como imagem
no chão. E delas
brotavam mais e mais trens.
Ferradura logística;
cargas de banha e sebo de cavalos, ou corpos.
Toda a banha se
transforma em ferro e giz.
***
E as mães foram feitas para serem outra.
***
SISTEMA DE AÇO
Partitura de aço, não ossos.
Para cada vida, um aparelho de imortalidade:
o ofício.
***
Eu comeria deus todo dia,
no olho das plantas; as plantas.
Poca Sombra
não conhece a folha verde:
esquece que um dragão se cria na pilha de folhas secas:
avermelhando.
Ela sempre esquece novos pensamentos.
***
[O pássaro criou fios de ovos para chocar.
Não nasceu ovo; mas deu à Lua um deus]
- O pássaro visto por olhos de um. Secou.
Poca Sombra
não mais se sacrifica.
Poca Sombra
chora
e a noite limpa seus olhos com desejos;
agora volta a ter destino. Já fadada a viver sem nome,
na terra dos sem nome.
- Abandona Poca Sombra e cristaliza-se mãe.
***
Ninguém era de saber dela, nem antes, nem agora.
Todo seu movimento de eregir-se ficou para deus,
que passou a dever-lhe um nome.
Sem ter seu nome de volta,
comeu os dentes de leite de seu filho,
e virou Filho.
***
PARTE II
AZEITES
As olarias sobrevivem nas cidades duras -
Olarias imperiais: resguardam os pontos cegos do rio,
templos sacros da terra.
***
De dentro do aquário, Filho respira óleo.
Viu, ainda pouco, um metrô
e não entende o porquê de seu passar.
"Minha terra da Graça não tem nome"
***
FEIRA
Os grandes gizes brancos
expostos em montes
no estaleiro.
Estancar fontes de mar
todos os dias
mantêm a terra seca e destinada a trilhos.
Filho costuma dizer que
cada giz é feito de corpos
referenciais a homens ocos,
desolados.
Certo número de alqueires de sal, nas salinas.
***
As plantas adormecem depois
que fecham-lhe os olhos.
***
Lacradas em potes de vidro,
lâminas de olhos. A noite dos sem nome
parece
aquele fundo que recebe um líquido.
Todos seus viventes se fundem às banhas de ferro.
Comem ouvidos dos trens mudos.
Carregam o peso da carga que atravessa sua terra.
São saciadores de anemia suas minhocas,
que comem azeitonas divinas.
***
A língua falada em Graça é
olho.
Linguagem da noite,
seu ponto de existência é a Lua.
A língua tanto fala quanto guarda o Sol.