condição perene
nas cheias
o rio comanda o espetáculo
e as margens são apenas
degraus para o leito mais fundo
nas secas
o rio é a margem
razão
nenhuma
o que escrevo
é apenas parte
do que sinto
a outra parte
finjo que minto
e acredito
chuva
os encantos da água
versejam na calçada
e correm sem ruídos
pela sarjeta
lá vai
meu poema
mais novo
viver é delicado
argumento de samba
sentimento de fado
as flores mallarmaicas
queria
num poema
oferecer flores
um jeito lógico
de não arrancá-las
da placidez silvestre
! como as flores
da adivinha mallarmaica
“que nunca estão no buquê”
e cujo aroma experimentamos
nas planícies viageiras
do significado
a palavra pétala
entre húmus e caules de linguagem
embriagando a dor extraída
deste pólen com o qual enlouqueço
as abelhas africanas
do esquecimento
mas tudo que tenho
são essas mãos vazias e uma
paixão petrarquiana
de insuportável hálito
modernista
deus
fingiu que estava
criando o mundo
trabalhou seis dias
oito horas em dois turnos
salário de cento e oitenta
pregos
ornamentou noites
criou nuvens
e ventos
do barro fez a criatura
num sopro
o inventário das paisagens
uma vez pronta a maquete
exonerou-se
e ficou mudo
hoje
dies dominicu
reaparece com trezentas
mil faces midiáticas
(dizem que vive em tudo)
o galo
o silêncio
com suas equações
de estrelas
abre os portais
da madrugada
sob os olhos atentos
do infinito
um quarto de lua
empresta a partitura
ao galo
a pele
do motivo
a visão nua
de tuas omoplatas
tão iguais
a tantas
esconde alguns rebanhos
da minha tristeza
signo
a cadeira
onde sento para
escrever poemas
sequer suspeita
da trama conceitual
que envolve
sua existência
grafite
morrer é quase
um imprevisto
morro sempre
quando penso
que não existo
laranja mecânica
às vezes me desespero
e cometo absurdos
às vezes simplesmente
fico mudo
não sei de onde vim
nem porque assim
me desnudo
plantio
nem a morte me cala
por isso escrevo
e transponho linguagem
em valas
vou regando verbos e estrume
para crescer
no que não conheço
poema
ou
insulto
suicídio lento
na mobília da alma
os versos que invento
ruído d’água
no rio nascente
música dos peixes
síntese
que a morte
me encontre
embriagado
e que não ria
ao me ver
do outro lado
poesia
arte
de quem bole
com as razões
humanas
e com as energias
que permitem
a metalurgia
da palavra
carapuça
sair de mim
não compreende
represar a alma
mas
extorquir todas as
vozes do silêncio
poemas noturnos
as folhas do coqueiro
não dormem
balançam
o sono do quintal
por que
escrevo poemas
curtos?
(eu
ando
em
busca
do
silêncio)
mercado central
de joão pessoa
são tristes
as folhas murchas
do repolho
que um homem
faminto não pode
comer
o chupador
de bocetas
tua retórica
um antro
de palavras
tua linguagem
antropofagia
louca
tua vagina
algema casual
da minha boca
conluio
a morte
é um passo
absurdo
junta os pés
de todo mundo
tulipa
olhar de pássaro
em pétalas retidas
beleza que fere
e impulsiona o hálito
delicado do vento
leminskiagem
passo pelo mundo
ancorado numa coragem
que desconheço
sei lá de que lado está
meu avesso
conceito
não alongo
poemas
apenas curto
no máximo
surto
figos maduros
ai de mim
com esta figueira crescendo dentro
sem saber direito o momento da poda
ou da colheita
ai de mim
que não entendo de árvores
e não compreendo o que dizem
o que fazem
como agem na hora do corte
e depois
na transcendência das figueiras
..........não sei da casca
..........grossa no caule leitoso
..........que com o tempo será
..........fibra impermeável
...............................ai de mim
que percorro a mansidão invisível
como um galo cumprindo o ofício
das manhãs
terceira sombra
dos olhos acesos
do infinito arranco
ventos e chuvas
como quem respira
fundo e de modo
resoluto |