ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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LAU SIQUEIRA

 

 

 

 

condição perene

 

 

      nas cheias

o rio comanda o espetáculo

 

e as margens são apenas 

degraus para o leito mais fundo

 

                nas secas

                o rio é a margem

 

 

 

razão

nenhuma

 

 

o que escrevo

é apenas parte

do que sinto

 

a outra parte

finjo que minto

 

         e acredito

 

 

 

chuva

 

 

os encantos da água

versejam na calçada

e correm sem ruídos

         pela sarjeta

 

lá vai

meu poema

              mais novo

 

 

viver é delicado
           argumento de samba

sentimento de fado

 

 

 

as flores mallarmaicas

 

 

                  queria

                  num poema

             oferecer flores

 

      um jeito lógico

de não arrancá-las

da placidez silvestre

 

!               como as flores

da adivinha mallarmaica

“que nunca estão no buquê”

e cujo aroma experimentamos

nas planícies viageiras

                         do significado

 

                       a palavra pétala

entre húmus e caules de linguagem

embriagando a dor extraída

deste pólen com o qual enlouqueço

as abelhas africanas

                             do esquecimento

 

             mas tudo que tenho

são essas mãos vazias e uma

            paixão petrarquiana

de insuportável hálito

                          modernista

 

 

 

deus

  

fingiu que estava
criando o mundo 

trabalhou seis dias
oito horas em dois turnos
salário de cento e oitenta
                             pregos

ornamentou noites
          criou nuvens
                 e ventos

do barro fez a criatura

num sopro
o inventário das paisagens 

uma vez pronta a maquete
                       exonerou-se

                        e ficou mudo

hoje
         dies dominicu
reaparece com trezentas
mil faces midiáticas 

(dizem que vive em tudo)

 

 

o galo

 

 

                                                           o silêncio

com suas equações

              de estrelas

abre os portais

da madrugada

 

sob os olhos atentos

               do infinito

                                                           um quarto de lua

                                                           empresta a partitura

                                                                       ao galo

 

 

a pele

do motivo

 

 

a visão nua

de tuas omoplatas

 

      tão iguais

      a tantas

 

esconde alguns rebanhos

da minha tristeza

 

 

signo

 

a cadeira

onde sento para

escrever poemas

sequer suspeita

da trama conceitual

que envolve

         sua existência

 

 

 

grafite

 

 

morrer é quase

um imprevisto

 

morro sempre

quando penso

que não existo

 

 

 

laranja mecânica

 

 

às vezes me desespero

        e cometo absurdos

 

às vezes  simplesmente

                        fico mudo

 

     não sei de onde vim

     nem porque assim

     me desnudo

 

 

 

plantio

 

 

nem a morte me cala

        por isso escrevo

e transponho linguagem

                        em valas

 

vou regando verbos e estrume

          para crescer

          no que não conheço

 

                                        poema

                                        ou

                                         insulto

 

 

suicídio lento

   na mobília da alma

os versos que invento

 

 

 

 

  ruído d’água

no rio nascente

música dos peixes

 

 

 

síntese

 

 

que a morte

me encontre

embriagado

 

e que não ria

ao me ver

do outro lado

 

 

 

poesia

 

arte

de quem bole

com as razões

humanas

e com as energias

que permitem

a metalurgia

da palavra

 

 

 

carapuça

 

sair de mim

não compreende

represar a alma

          mas

extorquir todas as

vozes do silêncio

 

 

 

poemas noturnos

 

as folhas do coqueiro

              não dormem

 

       balançam

       o sono do quintal

 

 

 

 

por que

escrevo poemas

curtos?

 

 

(eu

ando

em

busca

do

silêncio)

 

 

mercado central
de joão pessoa

 

 

são tristes

as folhas murchas

do repolho

que um homem

faminto não pode

comer

 

 

 

o chupador

de bocetas

 

 

tua retórica

um antro

de palavras

 

tua linguagem

antropofagia

louca

 

tua vagina

algema casual

da minha boca

 

 

 

conluio

 

 

a morte

é um passo

absurdo

 

junta os pés

de todo mundo

 

 

tulipa

olhar de pássaro
em pétalas retidas


beleza que fere
e impulsiona o hálito
delicado do vento

 

 

leminskiagem


passo pelo mundo
ancorado numa coragem
que desconheço

sei lá de que lado está
meu avesso

 

 

conceito

 

não alongo

poemas

 

apenas curto

 

no máximo

surto

 

 

 

figos maduros

 

 

ai de mim
com esta figueira crescendo dentro

sem saber direito o momento da poda
ou da colheita

                        ai de mim
que não entendo de árvores
e não compreendo o que dizem
o que fazem

como agem na hora do corte
e depois
na transcendência das figueiras


..........não sei da casca
..........grossa no caule leitoso
..........que com o tempo será
..........fibra impermeável


...............................ai de mim
que percorro a mansidão invisível
como um galo cumprindo o ofício
                                    das manhãs

 

 

 

terceira sombra

 

dos olhos acesos
do infinito arranco
ventos e chuvas

como quem respira
fundo e de modo
resoluto

 

 

*

 

Lau Siqueira nasceu em Jaguarão, fronteira leste do Rio Grande do Sul e reside atualmente em João Pessoa. Publicou seus primeiros poemas no jornal Correio do Povo, de Porto Alegre. Publicou seu primeiro livro, O Comício das Veias, pela Editora Idéia, em 1993. O segundo, O Guardador de Sorrisos, foi publicado pelo selo Trema, em 1998. Em 2002, publicou Sem Meias Palavras, também pela Editora Idéia. Texto Sentido, seu quarto livro, saiu pela Editora Bagaço, de Recife. Em 2011 deverá publicar Poesia Sem Pele, pela editora Casa Verde, de Porto Alegre. Em 2002, participou da antologia Na Virada do Século – Poesia de Invenção no Brasil, organizada pelos poetas Frederico Barbosa e Claudio Daniel, pela Editora Landy. Escreve artigos para revistas, jornais e sites e mantém o blog Poesia Sim: www.poesia-sim-poesia.blogspot.com.

 

 

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