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 LILIAN AQUINO 

 

 

LADRILHOS

Que andasse
a procurar objetos de louça
e os levasse
no bolso do casaco
polidos
era coisa sabida

E que no opaco
armário de cozinha
depositasse
essas preciosidades
não
podia evitar.

seus objetos de louça
seu cuidar que luzia com
                   o brilho seu
seus achados de cerâmica
sem importar
o formato

Que recolhesse
e juntasse
as partes de modo imperfeito
era o que fazia:

o fragmento de louça.

 

ÁGUA-VIVA

O homem encharcado
atravessa a rua e entra
rápido pelo portão de casa:
precisa dar um telefonema.

Chove muito
como chovia há quase um ano,
mas era maio, ele disse.
Se pudesse, falaria que
naquele verão
tarde de fevereiro
já não molhava mais.
Mas disse
hoje não use guarda-chuva
e venha para casa
porque te espero.

Chove muito
e sorri líquido o homem,
água-viva.

 

UM OU MAIS TEMPOS

O teu rosto
agridoce
é jardim de inverno
no meu apartamento
é bala de canela

Na varanda
enquanto fuma
cigarros de cravo
está em pé
e cultiva cravos brancos
nas pontas dos dedos

- para aliviar o hálito
desfolha o plástico
da bala
a bochecha infla
com a esfera vermelha -

O teu rosto
jardineiro
madressilva-cacto
é onde passeio em dias
de sol

 

HAPPY HOUR

Arranca, ele, uma margarida
da fresta na calçada
e veste aquela camiseta vermelha
que eu tanto gosto
- água a flor, arrepia os ouvidos.
Arranca, de mim, um riso
minha saia
cravejada de miçangas
: me tira do sério.

E no continuo alarido
às vezes sua boca
conta, o copo
o corpo - um girassol quente
que se deita no fim de tarde
como o líquido amarelo brilhando
através a tulipa.

E como uma estrela solitária
- acima do lábio superior,
a pinta - sua boca
deflora
minha pele
e tatua lilases no meu corpo.

 

CARTA

agora parei de fumar
de ouvir bossa nova
porque ser roda é problema
e ser regido pelo tempo
é sofrimento.

(as gaivotas são o tempo
desenhado
mas o tempo do baralho
não é o meu
ele está nas asas das gaivotas
- que não fazem vento)

parei
porque me distraio olhando lírios
ou ursos
: as 36 cartas escrevem
um caminho cheio de distrações.

mas é preciso rodar
ora alto, ora baixo
repetir, voltar a escutar
e fumaça.

 

RITUAL

No mesmo dia
em que o filho deixou
a
casa
(se afastando de costas
para olhá-la nos olhos)
ela resolveu plantar
um ipê

na sala

Num ato solene
quebrou o chão
e
revirou o
solo
e
chafurdou-se
toda
contente

E do desfeito
pelo rebento
ficou aquela cicatriz
na barriga
, a estranheza do ser
livre
e o olhar aquela árvore
ainda sem flores
e se perguntar:

roxo ou amarelo?

 

ANDAR DORMENTE

Precisa se acostumar
àquele andar
é alto pra ele,
e deixar a mochila no sofá
[em tempo]
e beijá-la
ela, a casa: a sua.

Tem a sala apagada
e um tapete voador.
Sempre vejo pelo vidro
: entre cortinas :
a antena que pisca
pisca e cansado
me sinto mais gordo hoje.

[e ela vai e vem
tem suas formas de habitar]

À beira da cama
tiraria seus tênis
que os calcanhares amor-
tecem.

 

CENA DE MESA

Senta na cadeira
à sua frente.
Tamborila os dedos
no tampo da mesa.

(ela suga pelo canudinho
o líquido vermelho
fazendo barulho.
e cruza as pernas)

Diz então
súbito
olhando fixo nos olhos dela

foi sem querer
eu te amei do avesso
prometo que da próxima vez
te visto
do lado certo.

 

*

Lilian Aquino nasceu em São Paulo (SP) em 1979 . Tem poemas publicados nas revistas Inimigo Rumor, Mininas, Metamorfose e no jornal de poesia O Casulo. Integra o coletivo de poetas Vacamarela, que publicou sua Antologia em 2007.

*

 

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