ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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LIMERSON MORALES

 

 

 

 

A MEMÓRIA AROMA

 

Frutos e terminações nervosas oculares da jabuticabeira compactuavam com as pintas pretas sobre a pele branca pela madrugada, em longa pista estreita e plurilíngue esmaltada em notas de ondas nacaradas.

Com rímel e delineador pelas microtonalidades de olhos irrefletidos fulminados de inédito imediato algo orbita e arde naquele par, um desalento desaleita em cada globo ocular em que deslastres se arrebentam ao copularem, e a paisagem das luzes de sódio que acendo sem riscar fósforos e exuma luzes e ofusca cóleras. E sem trocar as letras faço as pazes com as cócegas. E sei que dou as costas para as pazes antes de me tornar esquimó para arejar o traquejo que a memória aroma.

A auto sabotagem é uma força anárquica que tudo engole e tudo coroa. Lacrimeja a pálpebra aberta do olho raivoso do furacão sobre o olho merdoso e retorcido do buraco do cú. Pílulas dispermáticas de precisão sinestésica para inserir no reto do outro são as determinantes dos nossos procedimentos informáticos mais recentes. Procedimentos ladinos de figuração vodu: não é sobre a memória de uma truculência que eu finco os pés; não é com os ossos ísquios apontando para um solo irradiador de ilicitudes que aqueço o córtex com o cóccix. A determinante marginal que me foi roubada na adolescência.

Ah, as determinantes ao alcance das minhas mãos. Minhas determinantes. Como o detergente que é minha mão limpa. Minha mão limpa não é mais minha mão. Nem a segunda via mais límpida de uma certidão de nascimento recuperaria minhas determinantes. Ah, minhas terminações determinantes estão com os nervos parasitados por ventosas de vogais que disseminam ares irregulares então posicionados em suas paredes interiores.

O vento bate tanto que uma planta ali dentro quase voa em folhas secas batendo numa de asas longas e trespassadas de transparências e opacidades que quando escuto bato palmas arrepelando janela afora o inseto assustado tanto que a própria sombra voa. E nisso faz um som que se repete numa errática ancestral cadenciosa onde ainda orbita e ociosa a ostentação acalorada de um idioma inabitável crepitando nessa cavidade ocular que sustento numa nota musical aromática e apotropaica.

Numa concavidade que quando habita a órbita trepida uma sílaba mórbida alijada ao cóccix espiralado que é um aviso porque chama a atenção através da qual se atira a mira até um globo ocular que está de cócoras e se invade de fumaça. O cheiro da formiga entrelaçada numa teia serpenteia. O cheiro da formiga entrelaçada numa teia serpenteia. O cheiro da formiga entrelaçada numa teia serpenteia. Achei engraçado não ter estremecido.

O cheiro entrelaçado da neblina cisca cismas no sapateado do tempo em que eram apenas pintinhos sobre uma barriga gorda a vovó e o vovô. O som enfumaçado da Belina estapeia os dois lados e ateia a sereia muda a ti de braços atados sob a hipnose da artéria climatérica.

Foi-se o tempo da Belina do vovô.

 

 

 

 

 

A CABEÇA RECOMEÇA

 

retomei todos os meus compromissos

mas sinto-me omisso a mim mesmo

sinto-me em estado de sumiço.

um espaço na minha cabeça

deixou de ser maciço e isso

parece só o começo

(becos talvez, surjam e desapareçam,

compostos por começos de cabeças

dispostos pelo chão, becos abafados)

mas retomei, hoje sou dois,

e não descanso porque não existo.

 

 

 

 

SEM SEMENTES

 

a ira da margarida árida engana o girassol obtuso

 

em torno da mira em que a pomba gira a gaia

 

o engodo do sol engolido pelo meio

 

 

se o céu do bolero que leva sem sementes

 

lava com urina o solo que velo acima do zelo zen

 

também suspiro e profiro inclinações horizontalmente

 

 

mas o punhado de terra durante o canto causa sêde

 

o broto aquecido da nova ancestral emerge

 

e aperta a unha no dedo que me acorda

 

 

 

 

ELETROCUTADO

 

um choque percorre meu eixo e explode em facetas libertárias excretoras de baba

 

em gotas da escuridão lúbrica tidas como objeto de desejo de uma mata fechada

 

cada pedra nomeada com designação de parentescos apara as arestas e abraça

 

ecoa de cada memória escrita um alumbramento expressivo da oralidade

 

pela suspeita extasiada da ameaça e da presença que tem corpo

 

o corpo de um instrumento musical intencionado de madeira

 

uma história que conta, que canta, que dança e silencia

 

em sua quimérica e efêmera vontade de ruptura

 

o tigre dos meus ombros desliza pelos dedos

 

envelhecendo em estado de magia

 

 

*

 

o vento derruba todos os meus objetos. esse trajeto é o seu único gesto. devasta o topo da minha cômoda. eu vejo sem proposições nem esboço de reação. vejo desnudo porque o objeto do vento é o devasso. desejo vendo com os braços tremendo. a caixa também deu os seus passos. quando eu derrubo o sono da cama o dia desliga a câmera. comigo não houve diálogo, ou qualquer forma primariamente reconhecível como código. o sonho do olho aberto derretia objetando o vento. fazia secas casquinhas amarelas. ornamentos das laterais oculares. o relato do ócio objeta assim, o ciclo de um tipo de ar. arder o ciclo do amanhecido dia impondo da ode estereotipada a qualquer traço mais elaborado que o primitivismo ostracismo enraivecido.

 

 

*

Hoje, quando comecei a escrever, começaram a brotar em mim um par de seios. Pequenos, onde ficam os meus mamilos. Com pelos ao redor do bico. Então pensei, uma metáfora glandular. E a ironia velada levou-me a mão a um deles. Escrevia a palavra língua sem escorrer-me o sangue dos seus personagens pela minha boca. Excitei-me acariciando o entorno com os dedos nas costelas. A explosão venosa e arterial em transito amplificada foi assim para todo o meu corpo.

 

*

 

Vê como desmancha conforme eu digo que a sombra da lâmpada dá uma dor ruim na bexiga. Na palma da mão direita cresce uma mexa ruiva que esvoaça quando a mão que escolhe o cacho acena a luva. Vê como desleixam e gingam da quinta-feira que fugia enquanto caía tua bolsinha de moedas. No pátio de aplicação de flúor encontram-se reunidos pais e mestres mantendo os canais e os níveis vocais em silêncio. Vê como desmancha tudo conforme as plantas atrás do espelho hoje quando amanheceram nutriram luzes no reflexo. Ao quebrar a xícara diária da história maciça encontrei o remédio da diurese anamnéstica.

 

 

 

 

SOBRE O DOBLE FOLEGO

 

a barriga cheia amanhecida numa alvorada estufa em vegetação extravagante até a mais disparatada demasia de um ambiente cuja sub tropicalidade e outros transitórios exageros próximos ao fim do inferno astral com o arco e a flecha e os córneos e os trotes dos cascos ateiam fogo à flâmula que hasteiam em chamas e chuva de cerveja belga nessa mucosa tão necessitada de conhecimento e anestesiada de muitas vezes também não respirar muito bem.

inflando num gole envergado que pela garganta afora na lufada o gosto aguado no pulsar iluminado aflora dos pulmões pensamentos em sonho quando somos afogados pela entrada de intervalos no acesso ofegante que afaga as vias aéreas fazendo ver que é curta a duração dos tamanhos mensuráveis e dos alcances impulsores acionadores de cores que a textura envelhecida das cidades acoberta é o perigo de estarmos sendo deflorados pela mais nociva das impenetrabilidades diante de um penhasco de certeza e estratificação que estafa o brilho dos olhos saindo pela culatra.

e o sino vai se desdobrando em suas próprias incansáveis vibrações em decibéis de decisões mais ou menos inconcebíveis arvorecendo o alvo do céu sobre as tardes quentes e adstringentes pulsos que não terminam de vibrar a inteligível língua pujante de glândulas salivares e latidos latentes a gotejar um eco uníssono pelas curvas cuneiformes oximoros oxidados lá nos dobres onde vai se desdobrando a contemplação sonolenta de um objeto em desaparecimento na insurgência dessas peles desejosas de hábitos noturnos mútuos de matinas deslizantes em sabores in natura atravessando sobre o doble fôlego ora fatigado da intelecção.

 

 

 

 

 

MOVIMENTO

 

a musa do que se move

sempre ida, mesmo de retorno

sempre viva, mesmo de contornos

por si mesma pelo seu corpo

é um exemplo que não pode ser seguido

pois mesmo o entorno do seu conceito

pouco perseguiu além de um templo

mesma contemplação da silhueta

isso restringe o seu espaço

faz dele o maciço e o quebradiço

entre criador e criatura as dobradiças

uma musa em estado de sumiço

 

*

poema com terra nos olhos

letras nos olhos do poema

cultivará o ponto de vista

se a lágrima que escorre

cai de uma semente

poema com olhos na terra

com água nos olhos da letra

cultivará areia nos olhos

se a semente que enterra

cai de um ponto de vista

 

 

*

 

Límerson Morales é poeta e performer. Graduado em Artes Cênicas em Curitiba, criou o Núcleo de Espetacularidades. Desde 2006 realiza performances e encena seus próprios textos junto ao grupo. Em 2012 dedicou-se ao projeto Trauma Cha Cha Cha, investigando a encenação teatral via performance e criação literária.

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