A MEMÓRIA AROMA
Frutos e terminações nervosas oculares da jabuticabeira compactuavam com as pintas pretas sobre a pele branca pela madrugada, em longa pista estreita e plurilíngue esmaltada em notas de ondas nacaradas.
Com rímel e delineador pelas microtonalidades de olhos irrefletidos fulminados de inédito imediato algo orbita e arde naquele par, um desalento desaleita em cada globo ocular em que deslastres se arrebentam ao copularem, e a paisagem das luzes de sódio que acendo sem riscar fósforos e exuma luzes e ofusca cóleras. E sem trocar as letras faço as pazes com as cócegas. E sei que dou as costas para as pazes antes de me tornar esquimó para arejar o traquejo que a memória aroma.
A auto sabotagem é uma força anárquica que tudo engole e tudo coroa. Lacrimeja a pálpebra aberta do olho raivoso do furacão sobre o olho merdoso e retorcido do buraco do cú. Pílulas dispermáticas de precisão sinestésica para inserir no reto do outro são as determinantes dos nossos procedimentos informáticos mais recentes. Procedimentos ladinos de figuração vodu: não é sobre a memória de uma truculência que eu finco os pés; não é com os ossos ísquios apontando para um solo irradiador de ilicitudes que aqueço o córtex com o cóccix. A determinante marginal que me foi roubada na adolescência.
Ah, as determinantes ao alcance das minhas mãos. Minhas determinantes. Como o detergente que é minha mão limpa. Minha mão limpa não é mais minha mão. Nem a segunda via mais límpida de uma certidão de nascimento recuperaria minhas determinantes. Ah, minhas terminações determinantes estão com os nervos parasitados por ventosas de vogais que disseminam ares irregulares então posicionados em suas paredes interiores.
O vento bate tanto que uma planta ali dentro quase voa em folhas secas batendo numa de asas longas e trespassadas de transparências e opacidades que quando escuto bato palmas arrepelando janela afora o inseto assustado tanto que a própria sombra voa. E nisso faz um som que se repete numa errática ancestral cadenciosa onde ainda orbita e ociosa a ostentação acalorada de um idioma inabitável crepitando nessa cavidade ocular que sustento numa nota musical aromática e apotropaica.
Numa concavidade que quando habita a órbita trepida uma sílaba mórbida alijada ao cóccix espiralado que é um aviso porque chama a atenção através da qual se atira a mira até um globo ocular que está de cócoras e se invade de fumaça. O cheiro da formiga entrelaçada numa teia serpenteia. O cheiro da formiga entrelaçada numa teia serpenteia. O cheiro da formiga entrelaçada numa teia serpenteia. Achei engraçado não ter estremecido.
O cheiro entrelaçado da neblina cisca cismas no sapateado do tempo em que eram apenas pintinhos sobre uma barriga gorda a vovó e o vovô. O som enfumaçado da Belina estapeia os dois lados e ateia a sereia muda a ti de braços atados sob a hipnose da artéria climatérica.
Foi-se o tempo da Belina do vovô.
A CABEÇA RECOMEÇA
retomei todos os meus compromissos
mas sinto-me omisso a mim mesmo
sinto-me em estado de sumiço.
um espaço na minha cabeça
deixou de ser maciço e isso
parece só o começo
(becos talvez, surjam e desapareçam,
compostos por começos de cabeças
dispostos pelo chão, becos abafados)
mas retomei, hoje sou dois,
e não descanso porque não existo.
SEM SEMENTES
a ira da margarida árida engana o girassol obtuso
em torno da mira em que a pomba gira a gaia
o engodo do sol engolido pelo meio
se o céu do bolero que leva sem sementes
lava com urina o solo que velo acima do zelo zen
também suspiro e profiro inclinações horizontalmente
mas o punhado de terra durante o canto causa sêde
o broto aquecido da nova ancestral emerge
e aperta a unha no dedo que me acorda
ELETROCUTADO
um choque percorre meu eixo e explode em facetas libertárias excretoras de baba
em gotas da escuridão lúbrica tidas como objeto de desejo de uma mata fechada
cada pedra nomeada com designação de parentescos apara as arestas e abraça
ecoa de cada memória escrita um alumbramento expressivo da oralidade
pela suspeita extasiada da ameaça e da presença que tem corpo
o corpo de um instrumento musical intencionado de madeira
uma história que conta, que canta, que dança e silencia
em sua quimérica e efêmera vontade de ruptura
o tigre dos meus ombros desliza pelos dedos
envelhecendo em estado de magia
*
o vento derruba todos os meus objetos. esse trajeto é o seu único gesto. devasta o topo da minha cômoda. eu vejo sem proposições nem esboço de reação. vejo desnudo porque o objeto do vento é o devasso. desejo vendo com os braços tremendo. a caixa também deu os seus passos. quando eu derrubo o sono da cama o dia desliga a câmera. comigo não houve diálogo, ou qualquer forma primariamente reconhecível como código. o sonho do olho aberto derretia objetando o vento. fazia secas casquinhas amarelas. ornamentos das laterais oculares. o relato do ócio objeta assim, o ciclo de um tipo de ar. arder o ciclo do amanhecido dia impondo da ode estereotipada a qualquer traço mais elaborado que o primitivismo ostracismo enraivecido.
*
Hoje, quando comecei a escrever, começaram a brotar em mim um par de seios. Pequenos, onde ficam os meus mamilos. Com pelos ao redor do bico. Então pensei, uma metáfora glandular. E a ironia velada levou-me a mão a um deles. Escrevia a palavra língua sem escorrer-me o sangue dos seus personagens pela minha boca. Excitei-me acariciando o entorno com os dedos nas costelas. A explosão venosa e arterial em transito amplificada foi assim para todo o meu corpo.
*
Vê como desmancha conforme eu digo que a sombra da lâmpada dá uma dor ruim na bexiga. Na palma da mão direita cresce uma mexa ruiva que esvoaça quando a mão que escolhe o cacho acena a luva. Vê como desleixam e gingam da quinta-feira que fugia enquanto caía tua bolsinha de moedas. No pátio de aplicação de flúor encontram-se reunidos pais e mestres mantendo os canais e os níveis vocais em silêncio. Vê como desmancha tudo conforme as plantas atrás do espelho hoje quando amanheceram nutriram luzes no reflexo. Ao quebrar a xícara diária da história maciça encontrei o remédio da diurese anamnéstica.
SOBRE O DOBLE FOLEGO
a barriga cheia amanhecida numa alvorada estufa em vegetação extravagante até a mais disparatada demasia de um ambiente cuja sub tropicalidade e outros transitórios exageros próximos ao fim do inferno astral com o arco e a flecha e os córneos e os trotes dos cascos ateiam fogo à flâmula que hasteiam em chamas e chuva de cerveja belga nessa mucosa tão necessitada de conhecimento e anestesiada de muitas vezes também não respirar muito bem.
inflando num gole envergado que pela garganta afora na lufada o gosto aguado no pulsar iluminado aflora dos pulmões pensamentos em sonho quando somos afogados pela entrada de intervalos no acesso ofegante que afaga as vias aéreas fazendo ver que é curta a duração dos tamanhos mensuráveis e dos alcances impulsores acionadores de cores que a textura envelhecida das cidades acoberta é o perigo de estarmos sendo deflorados pela mais nociva das impenetrabilidades diante de um penhasco de certeza e estratificação que estafa o brilho dos olhos saindo pela culatra.
e o sino vai se desdobrando em suas próprias incansáveis vibrações em decibéis de decisões mais ou menos inconcebíveis arvorecendo o alvo do céu sobre as tardes quentes e adstringentes pulsos que não terminam de vibrar a inteligível língua pujante de glândulas salivares e latidos latentes a gotejar um eco uníssono pelas curvas cuneiformes oximoros oxidados lá nos dobres onde vai se desdobrando a contemplação sonolenta de um objeto em desaparecimento na insurgência dessas peles desejosas de hábitos noturnos mútuos de matinas deslizantes em sabores in natura atravessando sobre o doble fôlego ora fatigado da intelecção.
MOVIMENTO
a musa do que se move
sempre ida, mesmo de retorno
sempre viva, mesmo de contornos
por si mesma pelo seu corpo
é um exemplo que não pode ser seguido
pois mesmo o entorno do seu conceito
pouco perseguiu além de um templo
mesma contemplação da silhueta
isso restringe o seu espaço
faz dele o maciço e o quebradiço
entre criador e criatura as dobradiças
uma musa em estado de sumiço
*
poema com terra nos olhos
letras nos olhos do poema
cultivará o ponto de vista
se a lágrima que escorre
cai de uma semente
poema com olhos na terra
com água nos olhos da letra
cultivará areia nos olhos
se a semente que enterra
cai de um ponto de vista |