ENTRE O RIO E O MAR
tem semanas que acordo janeiro
versos feitos cabral
seco ácido sertão
lâmina e pedra na poesia
galo escondendo a manhã
dias em que custam suores
recordar outros valores
lembrar dos asfaltos de jambeiros
andar pelas ruas, jaguaribe
: há que sempre mirar adiante
nadar nada no capibaribe
colhendo feijão e poemas
lá na cozinha da casa grande tão pequena
tem semanas que me fixo em junhos
versos vêm de vinícius
solto louco sezão
sonetos infiéis em minha castidade
elegias e sempre um grande amor
dias que valem suores
vale o hoje, o agora, vale o já
cajazeiras é só uma página e saudades
outras ruas outros olhos outras cores
madalenas e seus códigos secretos
mergulha a poesia em tambaú
- plantar sonhos e fantasias
no quarto, onde deve ficar minha pequena
tem semanas e dias dezembros
onde espero, só nos livros
: é natal, temos que recomeçar.
MATRAGA
matraca silenciosa
liturgia de augusto
remoendo
moendo
doendo
moenda
- bagaço de homem no altar dos sertões
de repente, a hora chega
pai, filho e espírito santo
agora só quero rezar
e carregar os meus carregos.
(A) CABA (QUE É) MARCADO
sou um homem marcado
marcado para doer
gado preso no curral
quando não, abatido
comendo baudelaire
na erva daninha de meu capim.
LAMPARINA
querosene
consumindo-se
na consumação do fogo
lembra o canto das cigarras
na boca da noite
quando era light imaginar seu cruzar de pernas.
LUZ DEL FUEGO
à luz da lamparina
os livros tinham mais letras
- leitura removendo vírgulas
remoendo pedras
: carro de boi em silêncio noturno
(menina de anáguas e apelos
resto de réstias na parede)
à luz da lamparina
o sítio era sempre maior
quanto maior fossem as páginas de sonho
- sem marca-livros na memória
- com incêndios fátuos no vão das coxas.
POTE DE OURO
(no fim do arco-íris
o olhar do vaqueiro
em preto e branco).
LIVRO ABERTO
ser tão
abstrato
quanto
as
águas
do
meu
sertão.
EXISTENCIALISMO
o ser e o nada
o ser é nada
o ser nada
e
mergulha
feliz
nas águas
do boqueirão.
LENDO
lenda do sertão
é duas vezes lenda
ler teus olhos de solidão
é 2xpagandoprenda
leitmotiv (em dramalhão)
é duas vezes (nós)
é nós dois enodoados de nós mesmos
pelas duas vezes que construímos
quimeras em cor de sanguesertão.
OCAS
era você, asfaltando o mar
assaltando o bar
co
assassinando ba
co
asfixiando o ar
co
era eu, sendo asfalto
meliante
oco
sendo mato
oco
patife vomitando camas
ocas
pescando nossos próprios olhos
estrangulando nossos ossos inda moços
e ocos.
TRANSGRESSÃO
ser hippie
largar-se no mundo
até o mundo largar de mim
suas presas
e eu ficar a sós
com meu amor convencional.
AMÉM
amor quando chega
não faz toc, toc, toc
simplesmente derruba a porta
invade nossa aorta
transforma o amador
na coisa sagrada
depois, ora pelo santo espírito insano
para que todo dia, todo ano
a oração se repita
com suor, sexo e libido.
O SEXTO PERSONAGEM
para Rinaldo de Fernandes
dorian gray com trajes de alferes
diante do espelho, não o horror aos próprios vícios mundanos
mas a saudade dos rapapés
e dos escravos
e dos mimos de tia marcolina
duas almas filosofando
sobre a eliminação humana:
never, for ever!- for ever, never
enigmas machadianos espatifados no leitor,
sem réplica jacobina.
PAVÃO
nunca olhei para os meus pés
até caetano
girar cajuína na vitrola
foi quando vi que eles nunca saíram
do chão
meu céu é que sempre esteve vermelho
meus olhos voam o vazio.
PARABOLICALEITURA
as casas sustentam antenas
eu vi
fossem antenas poundianas
eu não via
EU LIA:
(as antenas globalizam novas raças).
SALIERI
no brilho da lâmina
só o corte do olhar
PÊNDULO
ah, deixem-me só
sem o relógio
(ponto)
deixem-me só
e o meu alforje
(junto)
deixem-me
só no espelho
(pranto)
DNA
apagar a escuridão
feito Diógenes
: lanterna na mão
em busca de meus genes.
POESIA COM T DE TÉDIO
quando soube que minha poesia
tinha efeitos colaterais
fechei meus verbos
rasguei os versos
e fui ler olavo bilac!
UMA FACE, SÓ ÂNIMA
pernas de compasso
pernas na mesa
perna (d)e pau
pernas para que te quero, pernas,
pernas brancas, grossas pernas....
daí, chega uma das faces de drummond:
- pra que tantas pernas, meu deus?
porém, meu coração só pensa naquilo!
COLLECTUVUS
um poema nasce
quando as partes
se contundem
nas moléculas
salgadas
nas estrofes
amadas
nas leituras
armadas
um poema nasce
quando o tudo
é moleque
e confunde
as marcas
e confunde
e marca
traço armorial na tua pele beatnik.
BILÍNGUA
billie holliday
na vitrola
holiday
é altar
(fixed star)
ser ou estar?
asterisco
com notas no rodapé (em tua fenda)
lenda
do blues em férias
feridas em dia de folga da dor. |