ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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LINALDO GUEDES

 

 

 

 

ENTRE O RIO E O MAR

tem semanas que acordo janeiro

versos feitos cabral

seco ácido sertão

lâmina e pedra na poesia

galo escondendo a manhã

dias em que custam suores

recordar outros valores

lembrar dos asfaltos de jambeiros

andar pelas ruas, jaguaribe

: há que sempre mirar adiante

nadar nada no capibaribe

colhendo feijão e poemas

lá na cozinha da casa grande tão pequena

 

tem semanas que me fixo em junhos

versos vêm de vinícius

solto louco sezão

sonetos infiéis em minha castidade

elegias e sempre um grande amor

dias que valem suores

vale o hoje, o agora, vale o já

cajazeiras é só uma página e saudades

outras ruas outros olhos outras cores

madalenas e seus códigos secretos

mergulha a poesia em tambaú

- plantar sonhos e fantasias

no quarto, onde deve ficar minha pequena

 

tem semanas e dias dezembros

onde espero, só nos livros

: é natal, temos que recomeçar.

 

 

MATRAGA

 

matraca silenciosa

liturgia de augusto

remoendo

moendo

doendo

moenda

- bagaço de homem no altar dos sertões

 

de repente, a hora chega

pai, filho e espírito santo

agora só quero rezar

e carregar os meus carregos.

 

 

(A) CABA (QUE É) MARCADO

sou um homem marcado

 

marcado para doer

 

gado preso no curral

quando não, abatido

 

comendo baudelaire

na erva daninha de meu capim.

 

 

LAMPARINA

 

querosene

consumindo-se

na consumação do fogo

 

lembra o canto das cigarras

na boca da noite

 

quando era light imaginar seu cruzar de pernas.

 

 

LUZ DEL FUEGO

à luz da lamparina

os livros tinham mais letras

- leitura removendo vírgulas

remoendo pedras

: carro de boi em silêncio noturno

 

(menina de anáguas e apelos

resto de réstias na parede)

 

à luz da lamparina

o sítio era sempre maior

quanto maior fossem as páginas de sonho

- sem marca-livros na memória

- com incêndios fátuos no vão das coxas.

 

 

POTE DE OURO

 

(no fim do arco-íris

o olhar do vaqueiro

em preto e branco).

 

 

LIVRO ABERTO

ser tão

 

abstrato

quanto

as

águas

do

meu

 

sertão.

 

EXISTENCIALISMO

o ser e o nada

 

o ser é nada

 

o ser nada

e

mergulha

feliz

nas águas

do boqueirão.

 

 

LENDO

 

lenda do sertão

é duas vezes lenda

 

ler teus olhos de solidão

é 2xpagandoprenda

 

leitmotiv (em dramalhão)

é duas vezes (nós)

 

é nós dois enodoados de nós mesmos

pelas duas vezes que construímos

quimeras em cor de sanguesertão.

 

 

 

OCAS

 

era você, asfaltando o mar

assaltando o bar

co

assassinando ba

co

asfixiando o ar

co

 

era eu, sendo asfalto

meliante

oco

sendo mato

oco

patife vomitando camas

ocas

 

pescando nossos próprios olhos

estrangulando nossos ossos inda moços

e ocos.

 

 

TRANSGRESSÃO

 

ser hippie

largar-se no mundo

até o mundo largar de mim

suas presas

 

e eu ficar a sós

com meu amor convencional.

 

 

AMÉM

 

amor quando chega

não faz toc, toc, toc

 

simplesmente derruba a porta

invade nossa aorta

 

transforma o amador

na coisa sagrada

 

depois, ora pelo santo espírito insano

para que todo dia, todo ano

 

a oração se repita

com suor, sexo e libido.

 

 

 

O SEXTO PERSONAGEM

 

para Rinaldo de Fernandes

 

dorian gray com trajes de alferes

 

diante do espelho, não o horror aos próprios vícios mundanos

mas a saudade dos rapapés

e dos escravos

e dos mimos de tia marcolina

 

duas almas filosofando

sobre a eliminação humana:

never, for ever!- for ever, never

 

enigmas machadianos espatifados no leitor,

sem réplica jacobina.

 

 

PAVÃO

 

nunca olhei para os meus pés

até caetano

girar cajuína na vitrola

 

foi quando vi que eles nunca saíram

do chão

 

meu céu é que sempre esteve vermelho

meus olhos voam o vazio.

 

 

PARABOLICALEITURA

 

as casas sustentam antenas

eu vi

fossem antenas poundianas

eu não via

 

EU LIA:

 

(as antenas globalizam novas raças).

 

 

SALIERI

 

no brilho da lâmina

 

só o corte do olhar

 

PÊNDULO

ah, deixem-me só

sem o relógio

(ponto)

 

deixem-me só

e o meu alforje

(junto)

 

deixem-me

só no espelho

(pranto)

 

 

DNA

apagar a escuridão

feito Diógenes

: lanterna na mão

em busca de meus genes.

 

 

 

POESIA COM T DE TÉDIO

quando soube que minha poesia

tinha efeitos colaterais

 

fechei meus verbos

rasguei os versos

 

e fui ler olavo bilac!

 

 

UMA FACE, SÓ ÂNIMA

pernas de compasso

pernas na mesa

perna (d)e pau

pernas para que te quero, pernas,

pernas brancas, grossas pernas....

 

daí, chega uma das faces de drummond:

- pra que tantas pernas, meu deus?

 

porém, meu coração só pensa naquilo!

 

COLLECTUVUS

 

um poema nasce

quando as partes

se contundem

 

nas moléculas

salgadas

 

nas estrofes

amadas

 

nas leituras

armadas

 

um poema nasce

quando o tudo

é moleque

 

e confunde

as marcas

 

e confunde

e marca

 

traço armorial na tua pele beatnik.

 

 

BILÍNGUA

 

billie holliday

na vitrola

 

holiday

é altar

(fixed star)

 

ser ou estar?

 

asterisco

com notas no rodapé (em tua fenda)

 

lenda

do blues em férias

 

feridas em dia de folga da dor.

 

 

*

 

Linaldo Guedes é poeta e jornalista. Nasceu em Cajazeiras (Alto Sertão da Paraíba) em 1968. Lançou dois livros de poemas: Os zumbis também escutam blues (Editora A União, 1998) e Intervalo Lírico (Forma Editorial, 2005). Participou de diversos outros livros, seja com poemas, seja com reportagens, e de eventos literários em todo o país, como a Bienal Internacional do Livro em Fortaleza, Salão do Livro, em João Pessoa, e Fliporto, em Porto de Galinhas, Pernambuco. Como jornalista, atuou nos principais jornais da Paraíba e foi editor do suplemento Correio das Artes por seis anos. Também é ativista cultural e manteve por um ano e meio o projeto LiterArte Musical, em parceria com a atriz Petra Ramalho.

*

 

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