ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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LÚCIA DELORME

 

 

 

 

1 –

 

O que existe

fala

 

não há silêncio possível

para o que nasce

 

fossa abissal

cosmo delirante

em forma manifesta

 

Se hieróglifo e não podes

traduzi-la,

se a presença prescinde que saiba,

calma

 

O que existe fala

mesmo sem nome

 

 

2 –

 

Vertical

é a árvore

não seu intento

 

Vertical

é o prédio

não seu rumo

 

Vertical

é o humano

não seu voo

 

 

3 –

 

Fala quando vaza

racha

estala

descasca

 

Se nutre e conforta

é útero

mudo

 

                       A casa

 

 

4 –

 

Desimporta

que o grão do instante

vivo intenso

depois pó

se perca e

menos que nada

se anule

existir também é isso

 

como se não tivesse sido

 

 

5 –

 

Avô

 

Da viagem

de quase um século

na nave sem retorno,

não mais o gesto agreste,

o rosto ossudo

é doce,

véspera de término

ou como se fosse

A fala campestre

entre maca, agulhas e soro

desadormece 

em sua atmosfera total

a infância-tesouro

 

 

6 –

 

To

do

silêncio é

fal

so,

me

nos

o

silêncio

último

 

 

7 –

 

Aula

 

Aprende:

 

o gesto gratuito

sem esperança de níquel

do menino-semáforo

 

Ensina:

 

a luz também lacera

o silêncio pode corromper

 

 

8 –

 

Fluxo não é jorro

 

exemplo:

Heráclito

 

Sentir não se piegas

 

vê:

acácias

 

Suave pode ser aresta

 

exemplo:

vértebras

 

 

9 –

 

Ritmo nenhum

Não o nulo total

que é tudo

nem o zero

que é equilíbrio

 

Ritmo nenhum

Não o vazio ou

nada que são

alguma coisa

 

O ritmo nenhum

é impossível

 

 

10 –

 

Se a esfinge –

                    insone, nem sempre sonora

                              na espiral dos séculos –

só expande

o deserto,

 

reduz a cinza qualquer movimento líquido,

e eleva em sol o que já era cego, 

 

para quê estigmatizá-la em número?

À esfinge, sem odiá-la,

inflige-se a autopergunta 

 

não para anulá-la:

açular a perspectiva.

 

 

11 –

 

Rua das Naus

sem nau nenhum  

 

Não Pólux, mas Tífis

errante em seus velames

 

no perigo das origens, mas

sem excessos semânticos:

 

ex-Príamo

o mendigo ali?

 

Não.

Sua autoevidência

inconteste:

 

mefítico

 

Rua das Naus

sugere mas falha

 

seu tráfego

além tempo,

 

seu Ulisses

no vento

 

 

12 –

 

Branco de nuvem

bastasse

 

Gota neste plexo

nutrisse

 

Luz de pólen

acendesse   

 

Que essa escassez

antiavara, 

 

síntese que amplia,

translumbrasse-nos

 

 

*

 

Lúcia Delorme, nasceu em São Paulo, mora há dois anos em Salvador. Psicóloga. Inédita em livro. luciadelorme@gmail.com.

*

 

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