1 –
O que existe
fala
não há silêncio possível
para o que nasce
fossa abissal
cosmo delirante
em forma manifesta
Se hieróglifo e não podes
traduzi-la,
se a presença prescinde que saiba,
calma
O que existe fala
mesmo sem nome
2 –
Vertical
é a árvore
não seu intento
Vertical
é o prédio
não seu rumo
Vertical
é o humano
não seu voo
3 –
Fala quando vaza
racha
estala
descasca
Se nutre e conforta
é útero
mudo
A casa
4 –
Desimporta
que o grão do instante
vivo intenso
depois pó
se perca e
menos que nada
se anule
existir também é isso
como se não tivesse sido
5 –
Avô
Da viagem
de quase um século
na nave sem retorno,
não mais o gesto agreste,
o rosto ossudo
é doce,
véspera de término
ou como se fosse
A fala campestre
entre maca, agulhas e soro
desadormece
em sua atmosfera total
a infância-tesouro
6 –
To
do
silêncio é
fal
so,
me
nos
o
silêncio
último
7 –
Aula
Aprende:
o gesto gratuito
sem esperança de níquel
do menino-semáforo
Ensina:
a luz também lacera
o silêncio pode corromper
8 –
Fluxo não é jorro
exemplo:
Heráclito
Sentir não se piegas
vê:
acácias
Suave pode ser aresta
exemplo:
vértebras
9 –
Ritmo nenhum
Não o nulo total
que é tudo
nem o zero
que é equilíbrio
Ritmo nenhum
Não o vazio ou
nada que são
alguma coisa
O ritmo nenhum
é impossível
10 –
Se a esfinge –
insone, nem sempre sonora
na espiral dos séculos –
só expande
o deserto,
reduz a cinza qualquer movimento líquido,
e eleva em sol o que já era cego,
para quê estigmatizá-la em número?
À esfinge, sem odiá-la,
inflige-se a autopergunta
não para anulá-la:
açular a perspectiva.
11 –
Rua das Naus
sem nau nenhum
Não Pólux, mas Tífis
errante em seus velames
no perigo das origens, mas
sem excessos semânticos:
ex-Príamo
o mendigo ali?
Não.
Sua autoevidência
inconteste:
mefítico
Rua das Naus
sugere mas falha
seu tráfego
além tempo,
seu Ulisses
no vento
12 –
Branco de nuvem
bastasse
Gota neste plexo
nutrisse
Luz de pólen
acendesse
Que essa escassez
antiavara,
síntese que amplia,
translumbrasse-nos |