LUIZ ARISTON
TENTANDO JOÃO CABRAL
a Jussara Silveira
1. As gentes têm por invisível
comum, senão seu próprio vício,
haver, suas próprias, as artes
ou ser o próprio malas-artes,
que mesmo o canto, por exemplo,
escultura, vem de entre os dentes,
ao ouvido, é bem mais frágil
que o invisível vidro ao tato.
2. O sem-porquê do compromisso
relativo ao valor do ofício
mostra-se mais, mostra-se noite,
quando um suposto ouvinte afoito,
diante do quebra-cabeça,
elege, feito cabra-cega,
em meio a seus pedaços todos,
o menos importante: o autógrafo.
3. Até se expor (e dar nas vistas?)
autografar-se alienígena,
recanto de um canto em um outro,
transplante de um obscuro órgão
de si para si, mas via alguém,
quesito e réplica através.
Anzol em peixe, aquele canto;
este, uma espinha na garganta.
se for aquilo que se foi que volta
ao paraíso o pecador que torna
em torno desse próprio posto à prova
sentir o sabor de outra boca à boca
é outro o velho gosto que se arrota
sentir o sabor de outra boca à boca
em torno desse próprio posto à prova
ao paraíso o pecador que torna
se for aquilo que se foi que volta
A LUA EM DÉBORA
A lua, quando a lua indo embora,
Manhã, que se dilua toda luz,
Despede-se, despindo-se da luz,
Por dentro está mais nua que por fora.
A lua e outra lua, dentro e fora,
Oferta-se perfeita, sua esfera,
Em duas, ao desejo em outra esfera,
Olhar que se dilua dentro e fora.
A lua, dentro, quando a lua, fora,
Estreita o tempo e sobre o tempo o torna,
Entranha o dentro ao dentro e o tempo torna
Vertigem na vertigem da demora.
Pois quando a lua, quando se demora
E assim delude a luz e a terra opaca,
Persiste em lua ainda mais opaca,
A lua que debruça da memória.
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Luiz Ariston é poeta e reside em São Paulo. Participa do Laboratório de Criação Poética coordenado por Claudio Daniel. |