ZUNÁI - Revista de poesia & debates

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MAIARA GOUVEIA

 

 

 

 

Enforcado

 

Chaos

Os ramos cortados − dos troncos
Ou o caos numa colher que vai à boca

Uma gota de um veneno que não mata
E tudo está ao contrário

O Sol quebra antes que a Noite pouse
Antes que se rompa a corda inteira
E a queda o arrebente

Ali não pousa nem mesmo
A coruja que pia, ao longe

Apocalipse

Pouse, abutre, sobre o nó.
Verte o verde pedra a pedra.

E (num uivo) o vento açoita a alma.
A loucura pousa ali.
Árvore sem folhas − onde pende um tronco.
Árvore da Vida − molhada de sangue.

Contra o céu − a cabeça − no fundo da terra.
Sol mergulhado na teia materna: inferno e raízes.

E a fruta vermelha do Fogo
Queima na Árvore do Mundo.

Enquanto a forma vegetal
consome a claridade em labaredas.

Quinze, O Sol

 

Fio de Ouro em Ouroboros
Orvalho − Novelo no vento

Pedra Falha − Ovo
Olho rubro da cobra

Ou o frio de Mercúrio
Noite vívida − borralho

O que molha a pele-casca
O sangue-veneno

Vidro opaco − o que preteja
Pestilência amarela
No brilho da água

O velho coagula num cálice
E o que solve neste líquido
Resolve a equação dos contrários

Ouroboros em Fio de Ouro
Espalha o Vermelho-Navalha

Na cabeça − o Sal da Vida
E − na cauda − o Fio de Prata


 

A Torre

 

No forno − enxofre & mercúrio
E a Lua morde o Sol

E o Sol morde a Lua
Ali − o nigredo líquido

Veneno − sangue premido
Contra a taça do Universo

O Sol & a Lua − em ágata
Corascene & o cão armênio
Duas faces do mesmo corpo

Até que no ventre do vento
Forme-se a cauda de um pássaro

 

A Estrela

 

Aqui, sobra espaço: onde a luz
Soçobra − então lança
Do escuro − a Pedra de Sol

O Julgamento

 

O Lobo salta num raio de Sol.
E molha − com visgo amarelo
A superfície da rã.

Escamas de Ouroboros se desprendem.
O musgo cobre a pedra.

O orvalho molha mil folhas
E há galhos quebrados.

Esvaem no ar
Olores de estrelas em queda.

Enrolam-se em nuvens negras
& sujam o espaço.

Os abutres se amontoam
Em dúzias de árvores.

E no ventre do vento
Destila-se o veneno dos Contrários.

A degradação (compacta)
Espalha-se em doze quadros.

Os discípulos perdem a montanha
Os astros desviaram-se.

O petróleo − de enxofre e mercúrio
Agora − torna-se claro.

Num vislumbre que logo fenece.
Exatamente como rastros.

O Mundo. O Destino. O Tempo
Afogam-se num cálice.

As formas mais fixas
Tornam-se, então, voláteis.

No caldo negro (Noite Líquida):
O que mergulha − num salto.

A Lava (Língua Ígnea)
Bebe a História − traço a traço.

E a centelha estoura no ar
& estimula o voo do Pássaro.

Num rasgo. Águia Azul.
O lampejo assusta o Retrátil.

A manhã então apodrece
Num eclipse extraordinário.

Então − do ventre do vento
Escapam mulheres & almas.

Cintila a água limpa
no Céu & no fundo do cálice.

Acende-se o Arco-Íris
ancorado em ambiguidades.

Ouroboros inspira a Mancha
& expira um Dia Claro.

 


 

alto-mar

 

e olho a cidade com lenços negros arrancados das casas, roberta ferraz

 

 

 

nos orifícios onde a maquete se torna susto

a fuga árida dos filhos, o ímpeto das flores

nascidas nas dobras dos planos,  na órbita dos corpos crus

a mágoa pura, violenta, calcinada – rosas roxas, de hematoma

e água fria.

o berro tomba

nos murros contra as nádegas.

e os inocentes

pedem calma.

eles querem o teu bem. te querem

calma.

com um sorriso pregado na casa. a língua afiada. um ótimo

senso de humor. háháhá. e os defuntos não fedem

nas bordas do dia.

urubus limpam a cena – sem ossos. ou tripas.

e as mães

contam as lágrimas de deus

num rosário.

 


 

dívida

 

é claro que as bijuterias

custam mais caro do que as joias

 

ouroboros num brinco é de graça 

ártemis num bracelete

e as parcas

 

já pagou a língua?

 

 

*

 

Maiara Gouveia (Brasil, São Paulo: 1983). Escritora, publicou artigos, ensaios e poemas em alguns países da América Latina e também em Portugal, na Espanha e nos Estados Unidos. Participou de inúmeros eventos literários, oficinas, palestras. Em 2006, foi finalista do Prêmio Nascente com o livro de poemas O Silêncio Encantado. A obra inaugural sofreu alterações e hoje se chama Pleno Deserto (Nephelibata: 2009). Escreveu outros livros, à espera de publicação. Mantém o blog http://ocorpoestranho.wordpress.com.

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