MÚSICA DAS FOLHAS
Vento
é aquilo que retira a imobilidade das folhas
Dor
é o que recheia o corpo de vazios
Amor
é algo que não aparece quando estamos mortos
Brisa
é a sutil compreensão de que nada é imóvel
A Nutrição
do Silêncio
para Sabrina
Os olhos não são
as únicas vozes do silêncio
Existem muitas outras
na verdade um punhado delas
que flutuam sobre a medula da imaginação
e se esfregam no estranho como um dom
que toca a simplicidade de maneira iluminada
Pensar é um golpe
de sorte
quando estamos sob o império do acaso
e a multidão não é o que aparece diante
dos olhos
mas aquilo que as sombras vomitam
quando quase tudo parece calmo e claro
A culpa é uma extensão
do medo
onde os fracos se curvam
onde os fortes se comovem
e nessa parca sorte
a idéia de que a vida
pode ser algo menor do que parece ser
é aplicável somente quando a consciência
abandona o próprio ninho
para se nutrir de outros ninhos que acreditam na idéia
de que a vida pode ser maior do que ela já é
Os olhos não são
as únicas vozes do medo
são pedra que se aquecem sob o sol
e se esfriam sob as pálpebras do silêncio
A LEVITAÇÃO DAS PEDRAS
para Cynthia
A manhã são
seus olhos
navegando pelo sorriso
contando a história das marés
e silenciando a música dos pássaros
Imantada pela luz do sol
transpassa os acordos do tempo
deixando a memória da pele
nas imagens do paraíso
As dores voam pela janela
levadas pelas abelhas
flutuam no calmo aceno
de um semiótico adeus
A manhã são
seus olhos
gravitando em minha alma
deslocando a brisa úmida
para o sacrifício dos astros
O instinto recolhido na
caverna
balbucia palavras em conchas
dizendo que o enigma da felicidade
é um sonho brincando no quintal
Nem sempre permanecerá
assim
manhã soldada à vida como ouro
mas fatalmente levitará as pedras
enquanto inspirar o destino
UM PEIXE SEM LAGO
Um homem sozinho
é um lago sem peixes
Uma tristeza quase alegre
procurando um campo de papoulas
para alimentar suas dores
Muito pequeno para o que
sente
mastiga os insetos mais venenosos
como se acendesse uma vela aos pés de deus
Uma cabeça lançada
ao desvario
que extrai de si mesma longos membros
para sobreviver no breu das margens
É o mais feliz
dos animais
vive onde o álcool purifica as feridas
onde o amor é uma febre
que se cura com drogas e delírios
Um homem sozinho
não precisa falsificar suas dores
elas já nascem com ele
como capim onde há terra
como merda onde há gente
Ele sabe que é
tarde
quando cachorros lambem seus pés
quando os cabelos tornam-se espessos
besuntados pelo óleo do absurdo
Sabe quando deve morrer
retirar-se de onde nunca esteve
e nunca desejou pensar
e mesmo assim
manteve os olhos florescidos de sinceridade
Seu coração
deseja o deserto
sua felicidade não é a felicidade de todos
é a simples felicidade impossível
de um único um
Um homem sozinho
é um peixe sem lagos